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Arquivo da categoria: visualidade
>A dor da rejeição (Fapesp)
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Divulgação Científica
29/3/2011
Estudo indica que o sentimento de rejeição após o fim de um relacionamento amoroso e a dor física ao se machucar ativam as mesmas regiões no cérebro (reprodução)
Agência FAPESP – A dor da rejeição não é apenas uma figura de expressão ou de linguagem, mas algo tão real como a dor física. Segundo uma nova pesquisa, experiências intensas de rejeição social ativam as mesmas áreas no cérebro que atuam na resposta a experiências sensoriais dolorosas.
“Os resultados dão novo sentido à ideia de que a rejeição social ‘machuca’”, disse Ethan Kross, da Universidade de Michigan, que coordenou a pesquisa.
Os resultados do estudo serão publicados esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
“A princípio, derramar uma xícara de café quente em você mesmo ou pensar em uma pessoa com quem experimentou recentemente um rompimento inesperado parece que provocam tipos diferentes de dor, mas nosso estudo mostra que são mais semelhantes do que se pensava”, disse Kross.
Estudos anteriores indicaram que as mesmas regiões no cérebro apoiam os sentimentos emocionalmente estressantes que acompanham a experiência tando da dor física como da rejeição social.
A nova pesquisa destaca que há uma interrelação neural entre esses dois tipos de experiências em áreas do cérebro, uma parte em comum que se torna ativa quando uma pessoa experimenta sensações dolorosas, físicas ou não. Kross e colegas identificaram essas regiões: o córtex somatossensorial e a ínsula dorsal posterior.
Participaram do estudo 40 voluntários que haviam passado por um fim inesperado de relacionamento amoroso nos últimos seis meses e que disseram se sentir rejeitados por causa do ocorrido.
Cada participante completou duas tarefas, uma relacionada à sensação de rejeição e outra com respostas à dor física, enquanto tinham seus cérebros examinados por ressonância magnética funcional.
“Verificamos que fortes sensações induzidas de rejeição social ativam as mesmas regiões cerebrais envolvidas com a sensação de dor física, áreas que são raramente ativadas em estudos de neuroimagens de emoções”, disse Kross.
O artigo Social rejection shares somatosensory representations with physical pain (doi/10.1073/pnas.1102693108), de Ethan Kross e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da PNAS em http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1102693108.
>Corte portuguesa contratou há 214 anos naturalistas para conhecer melhor as riquezas naturais do país
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Memória
A ciência no Brasil Colônia
Neldson Marcolin
Pesquisa Fapesp, Edição Impressa 171 – Maio 2010
© Museu Paulista/USP
Interior de São Paulo no século XIX retratado no quadro Pirapora do Curuçá (hoje Tietê), 1826, de Zilda Pereira
A contratação de cientistas pelo Estado para realizar estudos sobre a natureza e aprimorar tecnologias está longe de ser uma iniciativa recente no Brasil. No final do século XVIII a Corte portuguesa determinou expressamente aos governadores das capitanias brasileiras a admissão de naturalistas com o objetivo de fazer mapas do território, realizar prospecção mineral e desenvolver e disseminar técnicas agrícolas mais eficientes. Tudo para tentar gerar mais divisas e ajudar a equilibrar as periclitantes contas do reino de Portugal.
A ordem para buscar os homens de ciência capazes de pesquisar a natureza brasileira partiu de dom Rodrigo de Sousa Coutinho ao assumir a Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinhos, em 1796, e formular uma nova política para a administração do Império colonial português. Para ele, era urgente conhecer a utilidade econômica das espécies nativas e investigar o verdadeiro potencial mineral das terras de além-mar. Aos governadores de cada capitania cabia acompanhar os trabalhos e relatar à Corte os progressos em curso.
Foram contratados naturalistas em Minas Gerais, em Pernambuco, na Bahia e no Ceará. Em São Paulo, o governador Antônio Manuel de Melo Castro e Mendonça admitiu João Manso Pereira, um químico autodidata, versado em idiomas como grego, hebraico e francês e professor de gramática, envolvido em ampla gama de atividades. “Manso é um caso notável de autodidatismo que, sem nunca ter saído do Brasil, procurava estar atualizado com as novidades científicas que circulavam no exterior”, diz o historiador Alex Gonçalves Varela, pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e autor do livro Atividades científicas na “Bela e Bárbara” capitania de São Paulo (1796-1823) (Editora Annablume, 2009). O químico era inventor e publicou diversas memórias científicas, da reforma de alambiques e transporte de aguardente à construção de nitreiras para produzir salitre. Mas fracassou no projeto de instalação de uma fábrica de ferro. “Foi quando seu didatismo mostrou ter limites.”
Em 1803 foi nomeado para seu lugar Martim Francisco Ribeiro de Andrada e Silva pelo governador Antônio José de Franca e Horta. Irmão de José Bonifácio – que viria a ter papel relevante na história da Independência –, Martim era diferente de João Manso. Tinha uma formação acadêmica sólida, andou pela Europa e estudou na Universidade de Coimbra. Tradutor de obras científicas, fez numerosas viagens pelo território paulista e foi um difusor das ciências mineralógicas na época. “Ele seguia o conjunto de práticas científicas do período, ou seja, descrição, identificação e classificação dos minerais em seu local de ocorrência”, conta Varela. Anos mais tarde, Martim e Bonifácio realizaram juntos uma conhecida exploração pelo interior paulista (ver Pesquisa FAPESP edição 96).
João Manso, Martim e Bonifácio tinham em comum o conhecimento enciclopédico e uma forte ligação com a política do período. Martim chegou a ministro da Fazenda e participou do que ficou conhecido como “gabinete dos Andradas”, convidado pelo irmão, em 1822. De acordo com Varela, o trabalho científico dos três naturalistas foi de extrema relevância para ajudar o governo luso a conhecer de forma detalhada a capitania paulista e seus recursos naturais.
“A ciência e a técnica brasileira não é algo tão recente como se afirmava até meados dos anos 1980 e não passou a ser praticada aqui apenas depois que surgiram os institutos biomédicos no final do século XIX e começo do século XX”, afirma o historiador. “Há numerosos exemplos de homens ilustrados investigando a natureza, trabalhando com uma ciência utilitarista e produzindo conhecimento no período do Brasil Colônia.” Por fim, uma curiosidade: os termos naturalista e filósofo natural ainda são usados pelos historiadores para se referir aos homens de ciência da época porque a palavra cientista não existia até 1833. Naquele ano, ela foi utilizada pela primeira vez pelo polímata William Whewell, que criou o neologismo para se referir às pessoas presentes em uma reunião da Associação Britânica para o Avanço da Ciência.
>Imagens da loucura (Agência FAPESP)
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Por Fábio Reynol – 16/3/2010
Agência FAPESP – A professora de artes Tatiana Fecchio da Cunha Gonçalves reuniu cerca de 800 imagens de doentes mentais em hospitais psiquiátricos, entre elas algumas registradas por quatro fotógrafos ao longo da segunda metade do século 20 em instituições brasileiras.
Foto: Estudo reúne ensaios fotográficos que registraram doentes mentais em instituições de tratamento ao longo da segunda metade do século 20 (reprod.: Henri Fuseli)
O trabalho foi feito para o doutorado no Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para o qual contou com Bolsa da FAPESP. Intitulada “A representação do louco e da loucura nas imagens de quatro fotógrafos brasileiros do século 20: Alice Brill, Leonid Streliaev, Cláudio Edinger, Cláudia Martins”, a tese foi defendida e aprovada no fim de janeiro.
“Há um conjunto de construções e elementos formais que tomam o ‘louco’ por diverso, de outra ordem, patológico, a distância”, disse à Agência FAPESP. A inspiração para o estudo surgiu durante o mestrado, quando Tatiana deparou com retratos de doentes mentais registrados por Alice Brill e pelo artista plástico Lasar Segall. “Achei intrigante o interesse deles pelo tema”, disse.
Por meio de um levantamento histórico detalhado, Tatiana recuperou imagens e conceitos produzidos a partir do século 17, quando surgiram os primeiros espaços de internação para doentes mentais.
Segundo ela, a loucura tem sido compreendida de diferentes maneiras ao longo do tempo. No entanto, as suas representações mantiveram alguns aspectos que chegaram até os dias atuais. “É o caso do louco visto como o diferente, o outro, o que deve ser isolado”, disse Tatiana.
Esse distanciamento entre o fotógrafo e o doente chega a ser delimitado em algumas fotos por meio da presença de grades nas cenas com o enfermo atrás delas.
Também são mantidos nas representações mais recentes, segundo a pesquisa, alguns elementos antigos de tipificação da loucura, como o louco melancólico das obras do pintor alemão Albrecht Dürer, no início do século 16, e o louco introspectivo segurando a cabeça, presente na Iconologia do escritor italiano Cesare Ripa no século 17.
Outras representações ainda ressaltam a bestialidade e a agressividade, passando, segundo Tatiana, a ideia de ameaça, como se o louco possuísse uma força imensurável.
Para a autora, muitas dessas imagens, realizadas há séculos, naturalizaram uma forma de compreender o louco como diverso, em sua “carga de alteridade”, segundo ela refere, constituindo ainda no século 20 “a ideia de que o louco deve ser afastado da sociedade”, afirmou.
Tatiana não se deteve na representação artística, tendo investigado também as ilustrações que a medicina produziu para registrar a loucura. Os estudos fisionômicos e as medições de índices corporais, segundo conta, eram utilizados como elementos para diagnósticos e para traçar teorias a respeito da insanidade mental.
“Por esse motivo, a fotografia assumiu uma grande importância para a psiquiatria e para teorias que associavam fisionomias a determinados comportamentos”, disse.
Um desses estudos mais famosos é o do italiano Cesare Lombroso, que associou características e defeitos faciais a comportamentos criminosos. Nesse aspecto, Tatiana ressalta que a fotografia assumiu, pela suposta objetividade do aparato técnico, um reconhecimento importante como instrumento científico.
Reforma psiquiátrica
Na segunda parte da tese, a autora analisa a produção dos quatro fotógrafos que compõem o cerne de seu trabalho: Alice Brill, fotógrafa e artista plástica alemã que retrata o Hospital do Juquery (SP), no ano de 1950; Leonid Streliaev, repórter fotográfico que fez imagens do Hospital São Pedro (RS) em 1971; Cláudio Edinger, que também fotografou o Juquery em 1989 e 1990; e Cláudia Martins, que produziu imagens da Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, enquanto era estudante de jornalismo, de 1997 a 1999.
O período desses ensaios corresponde às mudanças provocadas pela reforma psiquiátrica iniciada na década de 1960. Tatiana contou que o fim da Segunda Guerra Mundial trouxe questionamentos à sociedade em relação aos padrões de “normatização”, os quais eram impostos especialmente em instituições como as escolas, as prisões e os manicômios.
“Com a reforma foram questionados os tratamentos da época e a doença mental passou a ser compreendida menos como uma doença dos corpos e mais como um reflexo de dinâmicas sociais”, revelou a pesquisadora.
Paradoxalmente, a autora ainda encontrou na segunda metade do século 20 resquícios da caracterização da loucura de tempos anteriores, o que mostra, segundo ela, que a ruptura com os antigos estigmas não foi tão grande. Outra hipótese é a de que a crítica proposta pela reforma psiquiátrica ainda está em processo, o que ainda deve provocar alterações na forma visual de representação da loucura.
“O fotógrafo [do século 20] ainda não partilha o espaço do fotografado, ele não está no mesmo lugar do outro”, disse. Dentre os fotógrafos estudados há uma tentativa mais explícita de rompimento com essa postura somente no trabalho de Cláudia Martins, segundo a pesquisadora.
“Ela procurou fazer com que os pacientes participassem da construção da imagem, eram eles que escolhiam o pano de fundo do cenário, a pose que fariam na foto e se estariam ou não acompanhados por outros internos”, apontou.
O estudo também traçou as mudanças nas relações da sociedade com os doentes mentais ao longo do tempo. Em 1950, por exemplo, Alice Brill foi aconselhada por amigos a não entrar no Juquery porque estava grávida, sob a justificativa de que os loucos poderiam “influenciar” o bebê. Já as imagens de Edinger, no fim dos anos 1980, trazem um tema inédito em trabalhos desse gênero: a homossexualidade.
Uma das conclusões da autora é a desconstrução do mito da objetividade da fotografia e do fotógrafo, afirmação recorrente no advento dessa técnica. Diante da pintura, a fotografia era tida como descrição exata da realidade a ponto de garantir registros objetivos à medicina, de acordo com a pesquisa.
“Essa objetividade é aparente, a fotografia é composta de escolhas do fotógrafo: onde os objetos serão colocados, quais lentes serão usadas, qual será o cenário, entre outros”, disse. Em todo o material fotográfico analisado está presente a tensão anormalidade/diverso e normalidade/identidade ligados à representação do “louco”.
Esse aspecto foi relembrado por ela e associado às ideias do filósofo francês Michel Foucault, para quem a loucura seria o campo de exclusão social do diverso. A exclusão estaria associada ao advento das cidades, segundo Tatiana. “As cidades exigiram indivíduos muito bem comportados e isolaram quem não se enquadrava em seus padrões, como leprosos, prostitutas e loucos”, disse.
No entanto, ao contrário de outros estigmas, a loucura poderia ser aplicada a qualquer um. Por isso, foi muito usada como instrumento de poder. “Com diagnósticos subjetivos, qualquer comportamento fora dos padrões vigentes poderia ser diagnosticado como loucura”, disse Tatiana. Como exemplo, cita uma mulher internada como louca no Hospital Pedro II, no início do século passado, porque resolveu dissolver o casamento logo após a noite de núpcias.
De acordo com a orientadora de Tatiana, a professora Cláudia Valladão de Mattos, do Departamento de Artes Plásticas da Unicamp, um sinal da qualidade do trabalho foi a sua grande receptividade em instituições internacionais.
“Em países como França e Alemanha, com forte tradição artística, a pesquisa de Tatiana teve uma ótima receptividade”, disse a professora, explicando que o trabalho foi aceito em todos os eventos europeus em que se inscreveu.
“Eles têm muito interesse em conhecer dados sobre o Brasil. O material reunido por Tatiana é considerado raro e importante para a comparação com estudos similares feitos em instituições de tratamento europeias”, disse.
O interesse estrangeiro pelo trabalho ficou evidente durante os dez meses da pesquisa que Tatiana passou na Inglaterra na Wellcome Trust for the History of Medicine da University College London, período no qual contou com bolsa de doutorado com estágio no exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Cláudia também destaca o aspecto interdisciplinar da tese que envolveu arte, história e a medicina psiquiátrica. “A tese também é importante para a história da arte, e abre um campo enorme a ser investigado”, disse.
Tatiana pretende continuar a pesquisa por meio de um pós-doutorado. Dessa vez, quer analisar imagens de vídeo de doentes mentais. “Durante a pesquisa entrei em contato com um material muito grande que pretendo aproveitar agora estudando as imagens em movimento”, disse.
>Douglas Rushkoff: "Radical Abundance: How We Get Past ‘Free’ and Learn to Exchange Value Again"
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>Ciência e incerteza: cômico (e trágico)
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>96% de tudo o que há é invisível!
>Pesquisa FAPESP – Edição 168 – Fevereiro 2010
Universo invisível
Astrônomos e físicos do mundo todo tentam desvendar do que são feitos 96% do Cosmo
Ricardo Zorzetto
A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) divulgou no final de janeiro uma imagem mostrando a concentração de galáxias a diferentes distâncias em uma pequena região do Universo. Cada ponto colorido da imagem (veja acima) corresponde a um agrupamento com centenas a milhares de galáxias – cada uma delas formada por centenas de bilhões de estrelas e uma quantidade elevada de gás muito quente. São o que os astrônomos chamam de aglomerados de galáxias, as estruturas em equilíbrio de maior dimensão e massa já identificadas no Cosmo. Calculando o número de corpos celestes que podem existir ali, fica difícil imaginar que eles contribuam para compor apenas 4,6% de tudo o que existe no Universo. O restante, na verdade quase tudo, não pode ser visto. Os outros 95,6% são formados, de acordo com a vasta maioria dos físicos e dos astrônomos, por dois tipos de elementos descobertos apenas nos últimos 80 anos: a matéria escura e a energia escura, sobre as quais quase nada se sabe além do fato de que precisam existir para que o Universo seja como se imagina que é. Alvo de uma série de experimentos internacionais que contam com a participação de brasileiros, alguns já em andamento e outros previstos para iniciar nos próximos anos, essa forma de matéria e de energia não absorve nem emite luz e, portanto, é invisível ao olho humano.
Nenhum equipamento em atividade até o momento foi capaz de detectá-las diretamente. Mas os físicos preveem a existência das duas em seus modelos de evolução do Cosmo, e os astrônomos inferem a presença delas a partir de assinaturas que deixam na estrutura do Universo, identificáveis em imagens como essa produzida pela ESA, resultado do Levantamento sobre a Evolução Cosmológica (Cosmos) – esse projeto usa os maiores telescópios em terra e no espaço para vasculhar uma região do céu do tamanho de oito luas cheias.
Foi apenas no último século que a compreensão do Universo se complicou tanto. Na década de 1920 o astrônomo norte-americano Edwin Hubble percebeu que o Cosmo era formado por grandes agrupamentos de estrelas – as galáxias – e que elas estavam se afastando umas das outras. A constatação de que o Universo estava se expandindo levou físicos e astrônomos a reverem suas ideias, pois até então acreditava-se que ele fosse estático e finito.
Estudando as galáxias, o astrônomo búlgaro Fritz Zwicky, considerado por muitos um mal-humorado, notou em 1933 que elas precisariam de 10 vezes mais massa do que tinham para se unirem em aglomerados apenas pela atração gravitacional, a força proposta por Isaac Newton para explicar a atração de corpos de massa elevada a distâncias muito grandes, como os planetas e as estrelas. A massa que não se conseguiu enxergar foi chamada de matéria escura. A energia escura só seria proposta cerca de 70 anos mais tarde, quando os grupos de Adam Riess e Saul Perlmutter, que investigavam supernovas, estrelas que explodiram passando a emitir um brilho milhões de vezes mais intenso, estavam se afastando de nós cada vez mais rapidamente. O Universo não se encontrava apenas em expansão, mas em expansão acelerada. Algo desconhecido, uma espécie de força contrária à da gravidade – mais tarde chamada de energia escura –, fazia o Cosmo crescer a velocidades cada vez maiores como um lençol de borracha puxado pelas pontas.
Poucos cientistas duvidam hoje da existência da matéria escura e da energia escura, também conhecidas como a componente escura do Universo. O principal desafio – muitos pesquisadores a consideram uma das questões mais importantes a serem resolvidas – é determinar a natureza de ambas, ou seja, o que de fato as compõem.
Sobre esse ponto, físicos e astrônomos nada sabem com segurança. Quando muito, têm bons palpites. E, como os demais habitantes do planeta, devem continuar às escuras até que uma avalanche de dados sobre mais agrupamentos de galáxias e outras estruturas do Universo mais antigas do que as observadas hoje comece a alimentar seus computadores.
“Nunca nossa ignorância foi quantificada com tamanha precisão”, comenta o astrônomo Laer-te Sodré Júnior, da Universidade de São Paulo (USP), referindo-se aos cálculos mais aceitos hoje da quantidade de matéria escura e de energia escura existentes no Cosmo: 22,6% e 72,8%, respectivamente. Há quase 30 anos Sodré estuda os aglomerados de galáxias, que reúnem cerca de 10% das galáxias existentes e podem ser compreendidos como sendo as metrópoles cósmicas: assim como as metrópoles da Terra, são poucas, mas têm dimensões absurdas e são muito populosas.
Com base em informações sobre aglomerados de galáxias e outros astros muito antigos e distantes, os físicos teóricos Élcio Abdalla, Luis Raul Abramo e Sandro Micheletti, todos do Instituto de Física (IF) da USP, em parceria com o físico chinês Bin Wang, decidiram recentemente verificar se os dados dessas observações astronômicas confirmavam uma ideia apresentada anos antes por outro brasileiro, o físico Orfeu Bertolami, pesquisador do Instituto Superior Técnico de Lisboa, em Portugal. Quase uma década atrás, pouco depois de identificadas as primeiras evidências de que a energia escura existe, Bertolami propôs que, se a matéria escura e a energia escura interagissem, como havia sugerido o astrônomo italiano Luca Amendola, essa influência mútua deixaria sinais em estruturas muito grandes do Cosmo, a exemplo dos aglomerados de galáxias.
Partículas – Para quem não está habituado, pode parecer estranho imaginar que algo que não se sabe muito bem o que é afete de alguma forma outra coisa sobre a qual não se tem o menor conhecimento. Mas não é o que os físicos pensam. Seja qual for a natureza da matéria escura e da energia escura, espera-se que o comportamento de ambas na escala do infinitamente pequeno (o mundo das partículas atômicas) influencie o mundo do infinitamente grande. Por isso, conhecer a interação entre elas – e delas com a matéria visível – pode ajudar a compreender como e em quanto tempo o Universo se formou e se tornou o que é, possibilitando inclusive a existência de vida. “Se acreditarmos minimamente no modelo padrão da física de partículas, que explica a composição da matéria bariônica [a matéria comum, composta de prótons, nêutrons e elétrons, e formadora das estrelas, dos planetas e de tudo o mais que se conhece] e, como as partículas que a formam interagem entre si, não há motivo para duvidar que também possa existir interação entre a matéria escura e a energia escura”, afirma Abdalla.
Inicialmente Abdalla, Micheletti e Bin Wang, da Universidade Fudan, em Xangai, elaboraram um modelo rudimentar no qual descreveram a matéria escura e a energia escura com propriedades semelhantes às de líquidos e gases como a água e o ar – os físicos os chamam de fluidos, materias formados por camadas que se movimentam continuamente umas em relação às outras e, nesse deslocamento, podem se deformar reciprocamente. Na construção do modelo, uma série de equações matemáticas que tentam descrever o que aconteceu no passado e predizer o que ocorrerá no futuro levou em consideração informações obtidas durante anos por meio da observação de quasares, núcleos de galáxias muito brilhantes e antigos; supernovas, estrelas que explodiram e passaram a emitir uma luz milhões de vezes mais intensa que o normal; e da radiação cósmica de fundo em micro- -ondas, uma forma de energia eletromagnética produzida nos instantes iniciais após o Big Bang, a explosão inicial que gerou o Universo e o próprio tempo 13,7 bilhões de anos atrás.
Mesmo sem determinar o modo como a matéria escura e a energia escura interagiam – apenas supuseram que a interação ocorreria –, eles verificaram que, ao resolver essas equações mais as formuladas por Einstein na teoria da relatividade geral, obtinham um Universo semelhante ao que se conhece hoje: em expansão acelerada, com tudo o que existe nele se afastando cada vez mais rapidamente, segundo artigo apresentado em junho de 2009 na Physical Review D. Na interação, de acordo com esse modelo, a energia escura liberaria radiação e se converteria em matéria escura – uma consequência da famosa equação E=m.c2, segundo a qual, em determinadas condições, matéria pode se transformar em energia e energia em matéria.
Interação – Mas não era o suficiente. Com o físico Luis Raul Abramo, Abdalla aprimorou o modelo e, dessa vez, procurou uma assinatura da interação entre energia escura e matéria escura nas informações obtidas de 33 aglomerados de galáxias, 25 deles estudados anos atrás em detalhes por Laerte Sodré e Eduardo Cypriano, pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Em colaboração com Sodré, Abdalla, Abramo e Wang usaram três métodos conhecidos para estimar a quantidade de matéria (massa) dos aglomerados de galáxias. Se não houvesse interação, os resultados teriam de ser iguais ou, no mínimo, muito próximos. Já se a matéria escura se transformasse em energia escura, ou vice-versa, um desses valores, sensível a essa conversão, diferiria dos demais. No trabalho publicado em 2009 na Physics Letters B, eles afirmam que há uma possibilidade real, ainda que pequena, de que a interação de fato ocorra, com a energia escura se convertendo em matéria escura.
Mesmo o próprio grupo vê esse resultado com cautela, porque há uma série de incertezas na medição das massas dos aglomerados de galáxias. Algumas dessas técnicas dependem de que esses agrupamentos estejam em equilíbrio e não interajam com outras galáxias ou aglomerados. Mas isso é pouco provável porque a massa dos aglomerados é muito elevada e atrai tudo o que está por perto. “A incerteza na medição da massa de cada aglomerado é grande”, comenta Abramo. “Esse modelo terá de ser testado por alguns anos. Analisamos 33 aglomerados de galáxias, mas, para ter segurança, teríamos de avaliar de centenas a milhares deles”, afirma Sodré, que atualmente negocia com astrônomos e físicos espanhóis a participação brasileira no projeto Javalambre Physics of the Accelerating Universe Survey (J-PAS), destinado a entender melhor as propriedades da energia escura e a evolução das galáxias medindo com mais precisão a que distância se encontram.
Infográfico: A expansão do Cosmo
Estruturas do Universo – Abdalla, que teve a iniciativa de verificar os sinais dessa interação alguns anos atrás, sabe que muitos discordam de sua proposta. “Uma vez um referee [revisor científico] mal-educado disse que esse trabalho era especulação ao quadrado”, lembra o físico da USP. “Mas, se estivermos certos e essa interação for bem definida, poderá ser verificada em experimentos de física de partículas.”
Há cerca de cinco anos os físicos teóricos brasileiros Gabriela Camargo Campos e Rogério Rosenfeld, ambos do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), criaram um modelo de interação entre matéria escura e energia escura que também as tratava como fluidos. No trabalho – feito em parceria com Luca Amendola, do Observatório Astronômico de Roma, o autor da ideia de interação entre esses elementos –, a dupla brasileira levou em consideração tanto informações sobre supernovas como sobre a radiação cósmica de fundo. Feitas as contas, concluíram que essa conversão não deve ocorrer, de acordo com artigo de 2007 na Physical Review D.
Com as informações disponíveis hoje sobre as estruturas do Universo, porém, fica difícil saber quem tem razão. “Há poucos dados e eles são fragmentados”, comenta Cypriano, astrônomo do IAG-USP. “Necessitamos de dados homogêneos e em grande quantidade.” Por esse motivo, mais de uma dúzia de projetos internacionais de grande porte já passaram pelo menos do estágio de planejamento.
O estudo da estrutura e da evolução das galáxias leva boa parte dos físicos e astrônomos a darem por certo que a matéria escura de fato existe – e que sua composição será descoberta em breve, talvez em até uma década. “Se for composta por partículas frias de massa muito elevada, vários modelos de física de partículas preveem que poderá ser produzida no Large Hadron Collider [LHC]”, afirma Abramo. Instalado na fronteira da Suíça com a França, o LHC começou a funcionar em fase experimental no final de 2009 e deve lançar, umas contra as outras, partículas atômicas viajando a velocidades próximas à da luz, desfazendo-as nos seus menores componentes. Já a resposta para a natureza da energia escura deve levar bem mais tempo, pois depende de levantamentos extensos das galáxias e estrelas encontradas em diferentes regiões do céu.
Um desses levantamentos, previsto para começar no segundo semestre de 2011, é o Dark Energy Surgey (DES), do qual devem participar cerca de 30 brasileiros (entre pesquisadores, estudantes e técnicos) de instituições no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Esse projeto pretende usar uma supercâmera digital – com capacidade de produzir imagens de altíssima resolução (500 megapixels), 40 vezes maior do que as das câmeras comuns – acoplada ao telescópio Blanco do Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile, para coletar ao longo de quatro anos informações de aproximadamente 400 milhões de galáxias. “Queremos estudar a distribuição de massa dos aglomerados de galáxias a diferentes distâncias”, conta Luiz Alberto Nicolaci da Costa, astrônomo do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro, coor-denador da participação brasileira no DES. Dependendo da massa total do Universo e da existência ou não de interação entre matéria escura e energia escura, pode haver um número maior ou menor desses aglomerados a determinadas distâncias.
Força repulsiva – Mesmo antes de o experimento começar, Nicolaci sabe que ele não trará uma resposta definitiva sobre a natureza da energia escura, a força repulsiva, uma espécie de antigravidade, que faz os objetos se afastarem a velocidades cada vez maiores no Universo. “No início desta década um grupo internacional de pesquisadores se reuniu e tentou delinear os experimentos mais adequados a serem realizados em quatro fases para tentar descobrir o que é a energia escura”, explica o astrônomo do Observatório Nacional. Os mais simples já terminaram e o DES é da fase três. “Com o DES, esperamos restringir os candidatos a energia escura”, conta Nicolaci.
Uma das mais cotadas é a chamada energia do vácuo, que, ao contrário do que se pensa, não é vazio. O vácuo é rico em partículas muito fugazes que surgem e desaparecem antes que possam ser detectadas e poderiam fornecer a força antigravitacional que faz os corpos celestes se afastarem. Para a física de partículas, a força do vácuo é o correspondente à constante cosmológica, termo que Albert Einstein acrescentou às equações da relatividade geral para que sua teoria representasse um Universo estático. “Mas essa seria uma solução feia, porque a densidade de energia do vácuo teria de ser 10120 [o número um seguido de 120 zeros] maior do que a observada pelos astrônomos”, comenta Élcio Abdalla.
Pode ser também que a energia escura seja uma espécie de fluido desconhecido, chamado pelos astrônomos de quintessência, em alusão aos quatro elementos que se acreditava que compunham o Universo (ar, água, fogo e terra). Ou ainda, que ela não exista, e os efeitos atribuídos a ela sejam consequên-cia de o Universo não ser homogêneo como se imagina e a Via Láctea se encontrar em uma região contendo muito pouca matéria. O astrofísico Filipe Abdalla, pesquisador da University College London e filho de Élcio Abdalla, trabalha em dois experimentos mais avançados, que integram a quarta fase da busca da energia escura e só devem começar a funcionar em alguns anos: o do satélite Euclid e o do te-les–cópio de mi-cro-ondas Square Kilometre Array, a ser construído na África do Sul ou na Austrália. “Se for alguma incorreção nas equações de Einstein, que explicam bem a atração gravitacional nas galáxias”, comentou Filipe durante uma visita a São Paulo em agosto de 2009, “esses experimentos nos permitirão saber”.
>Testemunhas do Clima
>
Por Redação do WWF-Brasil
O projeto Testemunhas do Clima da Rede WWF visa registrar a forma como as mudanças climáticas vêm modificando a vida de algumas populações ao redor do planeta. No Brasil, oficina realizada na comunidade Igarapé do Costa, no Pará, nos dias 12 e 13 de março de 2008 marcou o início dos trabalhos.
A oficina, coordenada pelo WWF-Brasil em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), buscou mapear e discutir a realidade socioeconômica e ambiental do lugar e perceber como é feita esta adaptação às regras da natureza, através da troca de experiências, para que as lições e os modelos possam ser seguidos em outras partes do mundo.
Igarapé do Costa, onde vivem 80 famílias, também foi o cenário do documentário Testemunhas do Clima. O filme conta a história de Marlene Rêgo Rocha, moradora do Igarapé do Costa, Pará, comunidade localizada na várzea amazônica que já tem sentido alterações climáticas causadas pelo aquecimento global.
Marlene conta quais as mudanças que já ocorreram no local, como tem feito para se adaptar às transformações da natureza e especialistas sobre o assunto explicam o porquê das mudanças e o que pode ser feito.
Testemunhas do Clima – parte 1 – http://www.youtube.com/watch?v=9bBQZ2OzUik
Testemunhas do Clima – parte 2 – http://www.youtube.com/watch?v=v2U5HCvn-40
Conheça o projeto: http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/meio_ambiente_brasil/clima/mudancas_especiais/testemunhasdoclima/
(Envolverde/WWF-Brasil)