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>Memória da imprensa

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Especiais

9/2/2010

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Há décadas a historiografia contemporânea tem incorporado a imprensa como fonte fundamental para se compreender momentos históricos e a atuação de protagonistas. Mas a fragilidade e as limitações do papel impresso, especialmente seu acesso, representam dificuldades aos pesquisadores.

Com o objetivo de ampliar o acesso a jornais e revistas do século 19 e início do século 20 no Brasil, o Arquivo Público do Estado de São Paulo acaba de lançar o site Memória da Imprensa, uma seleção de periódicos digitalizados do acervo da instituição.

O serviço reúne por enquanto 14 títulos de jornais e revistas de época, que permitem acompanhar a trajetória da imprensa paulista e brasileira a partir da seleção de exemplares de 1854 a 1981.

De acordo com o Carlos de Almeida Prado Bacellar, coordenador do Arquivo Público, além de ampliar o acesso, outro objetivo importante do novo site é preservar os raros originais das publicações.

“Jornais e revistas antigos têm um suporte muito delicado. O papel amarela com facilidade e a consulta é muito complicada. O acesso direto aos originais ajuda a destruir ainda mais. Quanto mais conseguirmos passar para o formato digital, mais colaboraremos na preservação dos originais”, disse à Agência FAPESP .

Segundo ele, a partir de agora pesquisadores não terão acesso aos originais dos jornais e revistas que já estão em formato digital. “Só poderão consultar em casos muito específicos e que serão analisados. Essa é uma iniciativa importante para preservar o acervo”, disse.

Parte do acervo já digitalizado ajuda a reconstituir momentos importantes dos mais de 200 anos de história da imprensa no Brasil. Pesquisadores já podem acessar desde publicações que marcaram época, como a revista A Cigarra (1914-1975) e o jornal Última Hora (1951-1971), até títulos menos conhecidos, como o jornal sindical Notícias Gráficas (1945-1964) e o anarquista La Barricata (1912-1913).

Segundo Bacellar, a ideia é colocar à disposição do público um conjunto variado de fontes. “Buscamos alguns exemplos de periódicos famosos, mas que ilustrem tendências ou conceitos diferentes. Temos desde a grande imprensa até pequenos jornais e revistas com perfis mais variados, como sindicais, políticos ou culturais”, disse.

A digitalização dos jornais e revistas é uma iniciativa interna do Arquivo do Estado. “Algumas digitalizações em curso estão envolvidas diretamente em projetos de pesquisa relacionados, como, por exemplo, à imigração em São Paulo, e à resistência política durante a Ditadura Militar”, explicou.

Movimento

O Memória da Imprensa já soma mais de 1.670 páginas de jornais, mas, de acordo com seu coordenador, as páginas disponíveis ainda representam uma amostra ínfima, se comparadas com a totalidade disponível no Arquivo do Estado.

“Esperamos que esse material sirva para o uso do professor em sala de aula e dos próprios alunos. Caso o professor queira dar uma aula sobre o período da República Velha no Brasil pode, por exemplo, consultar alguns jornais anarquistas do período”, disse.

Um dos destaques é o periódico alternativo Movimento, que liderou a campanha pela anistia durante a ditadura militar. Lançado em 1975 e fechado em 1981, teve 3.093 artigos e 3.162 ilustrações censurados pela ditadura.

Segundo Bacellar, a alimentação do site será feita ao longo do ano de forma aleatória, com relação aos títulos. “Mas, às vezes, coincide com solicitação externa. Uma entidade pede, por exemplo a digitalização de um determinado jornal. De qualquer forma, pretendemos chegar, até o fim do ano, com mais de 2 milhões de páginas digitalizadas”, disse.

O Arquivo Público do Estado de São Paulo é um dos maiores arquivos públicos brasileiros. Sua hemeroteca tem cerca de 1,2 mil títulos e 32 mil exemplares de revistas e mais de 200 títulos de jornais.

Já estão disponíveis no site as revistas O Malho (1902-1954), Panóplia (1901-1935), Anauê! (1935), Vida Moderna (1907-1925) e Escrita (1975-1988), além dos jornais Lanterna (1901-1935), Acção (1936), Germinal (1902-1913) e Correio Paulistano (1854-1963), este último o primeiro diário da província de São Paulo.

Para acessar a página e mais informações: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/memoria

>Império por escrito

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Especiais

10/2/2010

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Qual é o papel da comunicação escrita nos séculos seguintes à invenção da imprensa (ocorrida por volta de 1440)? Essa é a principal questão abordada por O Império por escrito – Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico (séculos 16 a 19), organizado pelas historiadoras Leila Mezan Algranti e Ana Paula Megiani, que acaba de ser lançado.

Das leituras da vida na corte às gazetas manuscritas revolucionárias do século 18, do cotidiano na colônia desde o Descobrimento aos registros da Biblioteca Real, o livro mostra como a comunicação escrita foi fundamental para a administração e a manutenção do Império português.

De acordo com Leila, professora de história na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a obra destaca o papel da escrita envolvendo os dois lados do Atlântico, não só nas relações entre Brasil e Portugal, mas também entre Portugal, Espanha e África.

“Nesse circuito de circulação de ideias, a escrita manuscrita teve um papel importante, apesar da presença crescente da imprensa, no período analisado, e dos impressos na cultura letrada. Isso se faz presente nas narrativas de viagens, cartas, nas correspondências régias, receitas e na poesia”, disse à Agência FAPESP.

Os ensaios são resultado do colóquio internacional “Escrita, Memória e Vida Material: formas de transmissão da cultura letrada no Império português”, realizado na Universidade de São Paulo (USP) em outubro de 2006, no âmbito do Projeto Temático “Dimensões do Império Português”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Laura de Mello e Souza, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

O Império por escrito, que também teve o apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações, é o segundo livro publicado dentro do Temático. O primeiro foi O governo dos povos, que aborda as relações de poder no mundo ibérico, e serão publicados outros dois.

Dividido em quatro partes, o foco do novo livro é a escrita e não a leitura propriamente dita. “Apesar de alguns ensaios abordarem a discussão dos livros e bibliotecas, principalmente na segunda parte da obra, a atenção maior é com a produção e circulação de escritos, manuscritos e impressos”, disse Leila.

A primeira parte do livro, Cultura letrada: vida de corte, instituições e poder, tem como unidade a dinâmica das relações de poder em ambientes letrados.

Segundo Leila, há muitos momentos na administração oficial em que a comunicação se torna extremamente importante. “Em termos de Portugal e Brasil, é evidente que sem a comunicação por escrito seria praticamente inviável administrar o Império. O livro mostra, em vários contextos, a importância da escrita na manutenção do Império”, disse.

“Além dos impressos, registros manuscritos de todo tipo (cartas, regulamentos, crônicas, gramáticas) desempenharam um papel fundamental na transmissão de ideias, valores, normas, costumes e saberes entre as metrópoles e suas colônias, bem como entre as diferentes possessões ultramarinas que integravam tais impérios coloniais”, destacam as organizadoras.

De acordo com a historiadora, ao se expandir, o Império português sentiu a necessidade de trocar informações com mais rapidez. “As ordens que até então eram feitas oralmente começaram a ser feitas por escrito. As normas regulavam não só a administração, mas também outras esferas, no âmbito político e jurídico, envolvendo queixas ou denúncias, por exemplo”, explicou.

É a partir desse momento, segundo Leila, que surgiram os arquivos, como o da Torre do Tombo, em Portugal. “Todo navio que chegava ao Brasil de Portugal, e vice-versa, trazia documentos. A manutenção do Império se deu a partir da troca de informações, grande parte com deliberações para os encarregados locais”, disse.

A segunda parte do livro, Suportes, circulação e colecionismo, reúne trabalhos que abordam conjuntos de escritos, impressos ou manuscritos, além de gravuras e mapas que circularam e foram objetos de coleções.

Um dos artigos, de Maria Aparecida de Menezes Borrego, pesquisadora na USP e no Temático, analisa a presença de livros impressos e manuscritos entre os bens materiais arrolados nos inventários de mercadores paulistas, no decorrer do século 18.

A partir da análise de inventários contidos no Arquivo do Estado de São Paulo, a autora conclui que a propriedade dos livros disseminou-se no período.

“Ainda que os proprietários de livros representassem uma parcela insignificante da população livre, é pouco satisfatório acreditar que somente os comerciantes focalizados nesta pesquisa fossem proprietários de livros, o que nos leva a especular sobre a presença de mais impressos nas casas de outros habitantes da capital”, destacou.

Cultura e salvação

A terceira parte, Traduções culturais e transmissões de saberes, aborda a questão de contatos e intercâmbios entre povos de culturas distintas, a partir da análise de manuscritos e impressos que circularam entre América e África.

No artigo Bebida dos deuses, por exemplo, Leila analisa técnicas de fabricação e utilidades do chocolate no império português. “A bebida feita com cacau pelos índios da América Espanhola não era mais o mesmo chocolate tomado na corte europeia nos séculos 17 e 18, por exemplo. É um saber que foi transformado. E tudo isso passa pela escrita”, disse a historiadora, que pesquisa sobre a história da alimentação.

A quarta e última parte do livro, Usos da escrita e formas de contestação política, enfoca o estudo da circulação de informações e ideias consideradas sediciosas, heréticas ou libertinas no império luso-brasileiro, a partir de vários tipos de manuscritos e impressos.

No capítulo Do destino das almas dos índios, por exemplo, Evergton Sales Souza, professor adjunto na Universidade Federal da Bahia, comenta as mudanças no paradigma da teologia portuguesa entre o século 17 e o 18, a partir de visões antagônicas sobre a salvação dos gentios expostas nas textos do jesuíta Simão de Vasconcellos e do padre Antônio Pereira de Figueiredo.

“Os textos da quarta parte abordam, ainda, a questão da produção, divulgação e recepção de notícias, bem como de proposições políticas contra a administração portuguesa na América”, contam as organizadoras.

Título: O Império por escrito: Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico – séculos 16 a 19
Páginas: 608
Preço: R$ 78
Mais informações: http://www.alamedaeditorial.com.br