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Crônicas do Consumismo, à entrada de dezembro (Envolverde)

03/12/2013 – 12h14

por George Monbiot*

consumo Crônicas do Consumismo, à entrada de dezembro

Grafite anti-consumista. Foto: Edgar Fabiano

Publicidade ensina crianças a acariciar… o plástico. Jornais anunciam skates de mogno. E se “Admirável Mundo Novo” já não for ficção?

A culpa cumpre um papel. É o que distingue o resto da população dos psicopatas. Trata-se do sentimento que você tem quando é capaz de sentir empatia. Mas a culpa inibe o consumo. Para sufocá-la, surgiu uma indústria global que usa celebridades, personagens de desenhos animados e música de elevador. Ela procura nos convencer a não ver e a não sentir. Parece funcionar.

Os resultados da pesquisa Greendex 2012 (“Consumers Choice and the Environment”, ou “As Opções dos Consumidores e o Meio-ambinte”) mostram que nos países mais pobres as pessoas sentem-se, em geral, mais culpadas com relação aos impactos causados na natureza do que as populações dos países ricos. Os países onde as pessoas sentem menos culpa são Alemanha, Estados Unidos, Austrália e Grã-Bretanha, nessa ordem – enquanto Índia, China, México e Brasil são os países onde as pessoas estão mais preocupadas. Nossa culpa, revela o estudo, acontece na proporção inversa ao tamanho dos danos causados pelo consumo. Isso é o contrário do que nos dizem milhares de editoriais da imprensa corporativa: que as pessoas não podem dar-se ao luxo de cuidar da natureza até que se tornem ricas. As evidências sugerem que deixamos de cuidar justamente quando nos tornamos ricos.

“Consumidores em países como México, Brasil, China e Índia”, diz o estudo, “tendem a ser mais preocupados com as questões das mudanças climáticas, poluição do ar e da água, desaparecimento de espécies e escassez de água doce … Por outro lado, a economia e os custos de energia e combustível suscitam a maior preocupação entre os consumidores norte-americanos, franceses e britânicos.” Quanto mais dinheiro se tem, mais importante ele se torna. Meu palpite é que nos países mais pobres a empatia não foi tão entorpecida por décadas de consumo irracional.

Assista ao mais recente anúncio da Toys R Us nos EUA. Um homem vestido como guarda florestal arrebanha crianças em um ônibus verde em que se lê “Encontre a Fundação Árvores”. “Hoje nós estamos levando as crianças à viagem de campo que mais poderiam desejar”, diz o guarda dirigindo-se a nós. “E eles nem sabem disso.”

No ônibus ele começa a ensiná-las, mal, sobre as folhas. As crianças bocejam e se mexem nos bancos. De repente, ele anuncia: “Mas nós não estamos indo à floresta hoje …” Ele tira a camisa de guarda florestal. “Estamos indo para a Toys R Us, pessoal!” As crianças ficam alucinadas. “Vamos brincar com todos os brinquedos, e vocês podem escolher o brinquedo que quiserem!” As crianças correm, em câmera lenta, pelos corredores da loja, e quase desmaiam enquanto acariciam os brinquedos.

A natureza é um tédio, já o plástico é emocionante. Crianças que vivem no centro da cidade e que levei a um bosque, semanas atrás, contariam uma história diferente; mas a mensagem, martelada com suficiente frequência, acaba por tornar-se verdadeira.

O Natal permite que a indústria global de besteiras recrute os valores com os quais muitos de nós gostaríamos que a data estivesse associada – o amor, a vivacidade, uma comunidade espiritual –, com o único objetivo de vender coisas de que ninguém necessita ou mesmo deseja. Infelizmente, como todos os jornais, The Guardian participa dessa orgia. A revista de sábado trazia o que parecia ser uma lista de compras para os últimos dias do Império Romano. Há um relógio cuco inteligente para os que têm familiares estúpidos o suficiente, uma chaleira operada remotamente, um distribuidor de sabão líquido por 55 libras [R$ 210]; um skate de mogno (vergonhosamente, a origem da madeira não é mencionada nem pelo Guardian, nem pelo varejista), um “pino pappardelle de rolamento”, seja lá que diabo for isso, bugigangas de chocolate a 25 libras [R$ 96], uma caixa de… barbante de jardim (!) por 16 libras [R$ 61].

Estaremos tão entediados, tão carentes de afeto, que precisamos ganhar essas porcarias para acender uma última centelha de satisfação hedonista? Terão as pessoas se tornado tão imunes ao sentimento de irmandade a ponto de se prontificarem a gastar 46 libras [R$ 177] num pacote de petiscos para cães ou 6,50 libras [R$ 20] em incríveis biscoitos personalizados, em vez de dar o dinheiro a uma causa melhor? Ou isso é o potlatch do mundo ocidental, no qual gastam-se quantias ridículas em presentes ostensivamente inúteis, para melhorar nosso status social? Se assim for, devemos ter esquecido que aqueles que se deixam impressionar por dinheiro não merecem ser impressionados.

Para atender a essa forma peculiar de doença mental, devemos retalhar a Terra, abrir grandes buracos na superfície do planeta, ocupar-se fugazmente com os produtos da destruição e então despejar os materiais em outros buracos.Relatório da Fundação Gaia revela um crescimento explosivo no ritmo da mineração: a produção de cobalto aumentou 165% em 10 anos, a doo minério de ferro em 180% e, entre 2010 e 2011, houve um aumento de 50% na exploração de metais não-ferrosos.

Os produtos dessa destruição estão em tudo: eletroeletrônicos, plásticos, cerâmicas, tintas, corantes, a embalagem em que nossas besteiras vão chegar. À medida que os depósitos mais ricos se esgotam, cada vez mais terra deve ser rasgada para manter a produção. Mesmo os materiais mais preciosos e destrutivos são sucateados quando um novo nível de dopamina torna-se necessário: o governo do Reino Unido informa que uma tonelada de ouro, embutido em equipamentos eletrônicos, é depositada nos aterros a cada ano, neste país.

Em agosto, uma briga das mais instrutivas inflamou o Partido Conservador. O ministro do Meio Ambiente, Lord de Mauley, pediu às pessoas para consertar suas engenhocas em vez de atirá-las no lixo. Isso era necessário, argumentou, para reduzir a quantidade de aterros, seguindo as diretrizes da política europeia de resíduos. Para o The Telegraph, “as propostas poderiam alarmar as empresas que lutam para aumentar a demanda por seus produtos.” O parlamentar do Partido Conservador Douglas Carswell bradou: “desde quando precisamos do governo para nos dizer o que fazer com torradeiras quebradas?”…

Para ele, o programa de recuperação econômica do governo depende de consumo incessante: se as pessoas começarem a consertar as coisas, o esquema entra em colapso; skates de mogno e chaleiras wifi são respostas necessárias a um mercado saturado; o deus de ferro do crescimento, ao qual nos devemos curvar, demanda que gastemos o mundo dos vivos até o esquecimento fim dos tempos.

“‘Mas roupas velhas são estupidez’, continuou o sussurro incansável. ‘Nós sempre jogamos fora as roupas velhas. Descartar é melhor que consertar, descartar é melhor que consertar.’” O Admirável Mundo Novo parece menos fantástico, a cada ano.

George Monbiot é jornalista é escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian./ Tradução: Inês Castilho.

** Publicado originalmente no site Outras Palavras.

Monbiot: The Gift of Death (The Guardian)

December 10, 2012

Pathological consumption has become so normalised that we scarcely notice it.

By George Monbiot, published in the Guardian 11th December 2012

There’s nothing they need, nothing they don’t own already, nothing they even want. So you buy them a solar-powered waving queen; a belly button brush; a silver-plated ice cream tub holder; a “hilarious” inflatable zimmer frame; a confection of plastic and electronics called Terry the Swearing Turtle; or – and somehow I find this significant – a Scratch Off World wall map.

They seem amusing on the first day of Christmas, daft on the second, embarrassing on the third. By the twelfth they’re in landfill. For thirty seconds of dubious entertainment, or a hedonic stimulus that lasts no longer than a nicotine hit, we commission the use of materials whose impacts will ramify for generations.

Researching her film The Story of Stuff, Annie Leonard discovered that of the materials flowing through the consumer economy, only 1% remain in use six months after sale(1). Even the goods we might have expected to hold onto are soon condemned to destruction through either planned obsolescence (breaking quickly) or perceived obsolesence (becoming unfashionable).

But many of the products we buy, especially for Christmas, cannot become obsolescent. The term implies a loss of utility, but they had no utility in the first place. An electronic drum-machine t-shirt; a Darth Vader talking piggy bank; an ear-shaped i-phone case; an individual beer can chiller; an electronic wine breather; a sonic screwdriver remote control; bacon toothpaste; a dancing dog: no one is expected to use them, or even look at them, after Christmas Day. They are designed to elicit thanks, perhaps a snigger or two, and then be thrown away.

The fatuity of the products is matched by the profundity of the impacts. Rare materials, complex electronics, the energy needed for manufacture and transport are extracted and refined and combined into compounds of utter pointlessness. When you take account of the fossil fuels whose use we commission in other countries, manufacturing and consumption are responsible for more than half of our carbon dioxide production(2). We are screwing the planet to make solar-powered bath thermometers and desktop crazy golfers.

People in eastern Congo are massacred to facilitate smart phone upgrades of ever diminishing marginal utility(3). Forests are felled to make “personalised heart-shaped wooden cheese board sets”. Rivers are poisoned to manufacture talking fish. This is pathological consumption: a world-consuming epidemic of collective madness, rendered so normal by advertising and the media that we scarcely notice what has happened to us.

In 2007, the journalist Adam Welz records, 13 rhinos were killed by poachers in South Africa. This year, so far, 585 have been shot(4). No one is entirely sure why. But one answer is that very rich people in Vietnam are now sprinkling ground rhino horn on their food or snorting it like cocaine to display their wealth. It’s grotesque, but it scarcely differs from what almost everyone in industrialised nations is doing: trashing the living world through pointless consumption.

This boom has not happened by accident. Our lives have been corralled and shaped in order to encourage it. World trade rules force countries to participate in the festival of junk. Governments cut taxes, deregulate business, manipulate interest rates to stimulate spending. But seldom do the engineers of these policies stop and ask “spending on what?”. When every conceivable want and need has been met (among those who have disposable money), growth depends on selling the utterly useless. The solemnity of the state, its might and majesty, are harnessed to the task of delivering Terry the Swearing Turtle to our doors.

Grown men and women devote their lives to manufacturing and marketing this rubbish, and dissing the idea of living without it. “I always knit my gifts”, says a woman in a television ad for an electronics outlet. “Well you shouldn’t,” replies the narrator(5). An advertisement for Google’s latest tablet shows a father and son camping in the woods. Their enjoyment depends on the Nexus 7’s special features(6). The best things in life are free, but we’ve found a way of selling them to you.

The growth of inequality that has accompanied the consumer boom ensures that the rising economic tide no longer lifts all boats. In the US in 2010 a remarkable 93% of the growth in incomes accrued to the top 1% of the population(7). The old excuse, that we must trash the planet to help the poor, simply does not wash. For a few decades of extra enrichment for those who already possess more money than they know how to spend, the prospects of everyone else who will live on this earth are diminished.

So effectively have governments, the media and advertisers associated consumption with prosperity and happiness that to say these things is to expose yourself to opprobrium and ridicule. Witness last week’s Moral Maze programme, in which most of the panel lined up to decry the idea of consuming less, and to associate it, somehow, with authoritarianism(8). When the world goes mad, those who resist are denounced as lunatics.

Bake them a cake, write them a poem, give them a kiss, tell them a joke, but for god’s sake stop trashing the planet to tell someone you care. All it shows is that you don’t.

http://www.monbiot.com

1. http://www.storyofstuff.org/movies-all/story-of-stuff/

2. It’s 57%. See http://www.monbiot.com/2010/05/05/carbon-graveyard/

3. See the film Blood in the Mobile. http://bloodinthemobile.org/

4.http://e360.yale.edu/feature/the_dirty_war_against_africas_remaining_rhinos/2595/

5. http://www.youtube.com/watch?v=i7VE2wlDkr8&list=UU25QbTq58EYBGf2_PDTqzFQ&index=9

6. http://www.ubergizmo.com/2012/07/commercial-for-googles-nexus-7-tablet-revealed/

7. Emmanuel Saez, 2nd March 2012. Striking it Richer: the Evolution of Top Incomes in the United States (Updated with 2009 and 2010 estimates).http://elsa.berkeley.edu/~saez/saez-UStopincomes-2010.pdf

8. http://www.bbc.co.uk/programmes/b01p424r