Arquivo da tag: Consumismo

O amor e sua ética, segundo bell hooks (OutrasPalavras)

Sem medo de ser naïf, feminista negra norte-americana debate sentimento crucial na experiência humana. Propõe libertá-lo das ilusões românticas, praticando-o em desafio às relações alienadas e em busca de intimidade cúmplice e libertadora

OutrasPalavras Crise Civilizatória por Silvane Silva

Publicado 17/02/2021 às 20:16 – Atualizado 17/02/2021 às 20:52

Por Silvane Silva | Imagen: Egon Schiele

MAIS:
Este texto é o prefácio de:
TUDO SOBRE O AMOR, de bell hooks
Publicado pela Editora Elefante, parceira editorial de Outras Palavras

Tudo sobre o amor — Novas perspectivas está disponível no site da Editora Elefante 

Escrever este prefácio em meio à pandemia de covid-19, vivendo em isolamento social meses, foi um exercício ao mesmo tempo doloroso e libertador. Em certa altura de Tudo sobre o amor, bell hooks diz que, se não pudéssemos fazer mais nada, se por algum motivo a leitura fosse a única atividade possível, isso seria suficiente para fazer a vida valer a pena, porque os livros podem ter uma função terapêutica e transformadora. Particularmente, não tenho dúvidas a respeito disso, pois a leitura sempre teve esse importante papel em minha vida. Alguns textos nos fazem reviver memórias impressas em nosso corpo e espírito e, dessa maneira, têm o poder de nos transformar e curar.

Em uma sociedade que considera falar de amor algo naïf, a proposta apresentada por bell hooks ao escrever sobre o tema é corajosa e desafiadora. E o desafio é colocarmos o amor na centralidade da vida. Ao afirmar que começou a pensar e a escrever sobre o amor quando encontrou “cinismo em lugar de esperança nas vozes de jovens e velhos”, e que o cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor, porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa, bell hooks faz a defesa da prática transformadora do amor, que manda embora o medo e liberta nossa alma. Ela nos convoca a regressar ao amor. Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo, falar de amor pode ser revolucionário. Para compreendermos a proposta da autora e a profundidade de suas reflexões, o primeiro passo deve ser abandonar a ideia de que o amor é apenas um sentimento e passar a entendê-lo como ética de vida. É sabido que bell hooks evidencia em toda a sua obra que o pessoal é político. Este também será o caminho trilhado por ela neste livro, pontuando o quanto nossas ações pessoais relacionadas ao amor implicam uma postura perante o mundo e uma forma de inserção na sociedade. Ou seja: o amor não tem nada a ver com fraqueza ou irracionalidade, como se costuma pensar. Ao contrário, significa potência: anuncia a possibilidade de rompermos o ciclo de perpetuação de dores e violências para caminharmos rumo a uma “sociedade amorosa”.

Tudo sobre o amor: novas perspectivas, publicado nos Estados Unidos no ano 2000, é o primeiro livro da chamada Trilogia do Amor, seguido de Salvação: pessoas negras e amor, de 2001, e Comunhão: a busca feminina pelo amor, de 2002. bell hooks é o tipo de pensadora que, quando atraída por um assunto, tende a esmiuçá-lo, observá-lo por todos os ângulos e explorá-lo por completo. Se ao longo de toda a sua obra o tema do amor aparece, em diversos momentos, como algo que tem um lugar significativo para nossa vida e cultura, é na Trilogia do Amor que a autora nos apresenta suas teses sobre o tema e, mais do que isso, nos oferece lições práticas de como agir.

Ao descrever as maneiras pelas quais homens e mulheres em geral, e pessoas negras em particular, desenvolvem sua capacidade de amar dentro de uma cultura patriarcal, racista e niilista, bell hooks relaciona sua teoria do amor com os principais problemas da sociedade. Apesar de falar a partir da sociedade estadunidense, suas reflexões servem para nós brasileiros, já que também sofremos dos males que a autora tanto procura ver superados: racismo, sexismo, homofobia, imperialismo e exploração.

Seguindo os passos de pessoas que ofereceram o amor como arma poderosa de luta e de transformação da sociedade, como Martin Luther King Jr., por exemplo, bell hooks reposiciona o amor como uma força capaz de transformar todas as esferas da vida: a política, a religião, o local de trabalho, o ambiente doméstico e as relações íntimas. Aprofundando as ideias trazidas por Cornel West referentes às “políticas de conversão” para tratar o niilismo presente na sociedade, hooks coloca a ética do amor no centro dessas políticas. E, nessa perspectiva, compreende que o pessoal sobrevive por meio da ligação com o coletivo: é o poder de se autoagenciar (self-agency) em meio ao caos e determinar o autoagenciamento coletivo.

Tudo sobre o amor: novas perspectivas procura mostrar como somos ensinados desde a infância a ter suposições equivocadas e falsas em relação ao amor e ressalta o quanto nossa sociedade não considera a importância e a necessidade de aprendermos a amar. Tendemos a acreditar que já nascemos com esse conhecimento, mas bell hooks demonstra que o amor não está dado: ele é construção cotidiana, que só assumirá sentido na ação — o que significa dizer que precisamos encontrar a definição de amor e aprender a praticá-lo.

Em “Clareza: pôr o amor em palavras”, primeiro capítulo deste livro, bell hooks afirma que em nossa sociedade o amor costuma servir para nomear tudo, pulverizando seu significado. Nessa confusão em relação ao que queremos dizer quando usamos a palavra “amor” está a origem da nossa dificuldade de amar. Por isso, saber nomear o que é o amor é a condição para que ele exista. Se os dicionários tendem a enfatizar a definição dada ao amor romântico, bell hooks nos mostra que o amor é muito mais que uma “afeição profunda por uma pessoa”. A melhor definição de amor é aquela que nos faz pensar o amor como ação — conforme diz o psiquiatra M. Scoot Peck, trata-se da “vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa”. Nota-se que o espiritual aqui não está vinculado à religião, mas a uma força vital presente em cada indivíduo. Nesse sentido, a afeição seria apenas um dos componentes do amor. Para amar verdadeiramente devemos aprender a misturar vários ingredientes: carinho, afeição, reconhecimento, respeito, compromisso e confiança, assim como honestidade e comunicação aberta. Uma das contribuições fundamentais trazidas por bell hooks é nos fazer pensar que são as ações que constroem os sentimentos. Dessa maneira, ao pensar o amor como ação, nos vemos obrigados a assumir a responsabilidade e o comprometimento com esse aprendizado.

O segundo capítulo, “Justiça: lições de amor na infância”, demonstra que o impacto do patriarcado e a forma da dominação masculina sobre mulheres e crianças são barreiras para o amor, algo pouco presente na bibliografia sobre o tema. Nós aprendemos sobre o amor na infância, e quer nossa família seja chamada funcional ou disfuncional, sejam nossos lares felizes ou não, são eles as nossas primeiras escolas de amor. Neste capítulo, bell hooks levanta a importante discussão sobre a necessidade de valorizar, respeitar e assegurar os direitos civis básicos das crianças. Caso contrário, a maioria delas não conhecerá o amor, tendo em vista que não existe amor sem justiça. Nesse ponto, a autora demonstra o quanto o lar da família nuclear é uma esfera institucionalizada de poder que pode ser facilmente autocrática e fascista. Dessa maneira, continua ela, se queremos uma sociedade eticamente amorosa, precisamos desmascarar o mito de que abuso e negligência podem coexistir com amor. Onde há abuso, a prática amorosa fracassou. Não se pode concordar que a punição severa seja uma forma aceitável de se relacionar com as crianças. “O amor é o que o amor faz”, e é nossa responsabilidade dar amor às crianças, reconhecendo que elas não são propriedades e têm direitos que nós precisamos garantir.

No terceiro capítulo, “Honestidade: seja verdadeira com o amor”, bell hooks afirma que a verdade é o coração da justiça. Somos ensinados desde a infância que não devemos mentir, que devemos jogar limpo. Entretanto, na prática, quem diz a verdade normalmente é punido, reforçando a ideia de que mentir é melhor. Homens mentem para agradar às mães e depois às mulheres. Mentir e se dar bem é um traço da masculinidade patriarcal. Meninos e homens são encorajados a todo momento a fazer o que for preciso para manter sua posição de controle. Por sua vez, as mulheres também mentem para os homens como forma de agradar e manipular. Vivemos em uma sociedade em que a cultura do consumo também encoraja a mentira. A publicidade é um dos maiores exemplos disso. As mentiras impulsionam o mundo da publicidade predatória e o desamor é bênção para o consumismo. Além disso, manter as pessoas em um estado constante de escassez fortalece a economia de mercado. Dessa maneira, hooks enfatiza que a tarefa de sermos amorosos e construirmos uma sociedade amorosa implica reafirmar o valor de dizer a verdade e, portanto, estarmos dispostos a ouvir as verdades uns dos outros. A confiança é o fundamento da intimidade.

Partindo do pressuposto de que não é fácil amar a si mesmo, no quarto capítulo, “Compromisso: que o amor seja amor-próprio”, bell hooks nos ensina que, quando somos positivos, não só aceitamos e afirmamos quem somos mas também somos capazes de afirmar e aceitar os outros. E o movimento feminista ajudou as mulheres a compreender o poder pessoal que se adquire com uma autoafirmação positiva. Quando temos de fazer um trabalho que odiamos, por exemplo, isso ataca a nossa autoestima e autoconfiança. O trabalho, quando percebido como um fardo, por se realizar em empregos ruins em vez de aprimorar a autoestima, deprime o espírito. Como lidar com essa questão se a maioria de nós não pode fazer o trabalho que ama? Um dos modos de experimentar satisfação seria nos comprometermos totalmente com o trabalho a ser realizado, seja ele qual for. Trazer o amor para o ambiente laboral pode criar a transformação necessária para tornar qualquer trabalho que façamos um meio de expressarmos o nosso melhor. Quando trabalhamos com amor, renovamos nosso espírito, e essa renovação é um ato de amor-próprio que alimenta nosso crescimento. E não devemos confundir amor-próprio com egoísmo ou egocentrismo. O amor-próprio é a base de nossa prática amorosa, pois, ao dar amor a nós mesmos, concedemos ao nosso ser interior a oportunidade de ter amor incondicional. É o amor-próprio que garante que nossos esforços amorosos com as outras pessoas não falhem.

No quinto capítulo, “Espiritualidade: o amor divino”, hooks chama a atenção para o fato de que a crise na vida estadunidense não poderia ser causada por falta de interesse na espiritualidade, tendo em vista que a imensa maioria das pessoas diz seguir alguma religião. Isso indicaria que a vida espiritual é algo importante nessa sociedade. No entanto, esse interesse é cooptado pelas forças do materialismo e do consumismo hedonista, traduzido na lógica do “compro, logo sou”. A religião “organizada” falhou em satisfazer a “fome espiritual”, e as pessoas procuram preencher esse vazio com o consumismo. A autora questiona: “Imagine como nossa vida seria diferente se todos os indivíduos que se dizem cristãos, ou que alegam serem religiosos, servissem de exemplo para todos, sendo amorosos”. A atualidade desse questionamento para o Brasil de hoje é desconcertante, tendo em vista os milhões de ditos “cristãos” que, ao invés de amar o próximo como a si mesmos, destilam ódio e preconceito.

“Valores: viver segundo uma ética amorosa” é o título do capítulo 6, no qual bell hooks reforça que o despertar para o amor só pode acontecer se nos desapegarmos da obsessão por poder e domínio. Para nos tornarmos pessoas mais alegres e mais realizadas, precisamos adotar uma ética amorosa, pois nossa alma sente quando agimos de maneira antiética, rebaixando o nosso espírito e desumanizando os outros. Viver dentro de uma ética amorosa é uma escolha de se conectar com o outro. Isso significa, por exemplo, se solidarizar com pessoas que vivem sob o jugo de governos fascistas, mesmo estando em um país democrático. Neste ponto, hooks retoma a afirmação de Cornel West de que uma “política de conversão” restaura a sensação de esperança. E reafirma que abraçar a ética amorosa significa inserir todas as dimensões do amor — “cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento” — em nossa vida cotidiana.

“Ganância: simplesmente ame”, o sétimo capítulo do livro, demonstra que o isolamento e a solidão são as causas centrais da depressão e do desespero. O materialismo cria um mundo de narcisismo no qual consumir é a coisa mais importante. Nessa reflexão, a autora analisa como a participação ativa dos Estados Unidos em guerras globais colocou em questão o compromisso desse país com a democracia, sacrificando a visão de liberdade, amor e justiça em nome do materialismo e do dinheiro. Ela aborda também o desespero que tomou conta das pessoas quando líderes que lutavam pela paz e pela justiça foram assassinados, no final da década de 1960. Nesse momento, as pessoas perderam a conexão com a comunidade, e a atenção voltou-se para a ideia de ganhar dinheiro, o máximo possível. Os líderes passaram a ser os ricos e os famosos, as estrelas do cinema e da música. As igrejas e os templos, que antes eram espaços de reunião da comunidade, com o advento da teologia da prosperidade, tornaram-se lugares onde a ética materialista é respaldada e racionalizada. O que vale a partir de então é a cultura do consumo desenfreado. Pessoas também são tratadas como objetos e são esses os valores que passam a orientar as atitudes em relação ao amor. Isso se reflete também nas políticas públicas, como no fato de os Estados Unidos serem um dos países mais ricos do mundo e não possuírem um sistema universal de saúde que possa oferecer serviços aos menos favorecidos. Dessa maneira, bell hooks convida as pessoas à escolha de viver com simplicidade. Isso necessariamente intensifica a nossa capacidade de amar, nos ensina a praticar a compaixão e afirma nossa conexão com a comunidade.

O oitavo capítulo, “Comunidade: uma comunhão amorosa”, afirma, conforme as palavras de M. Scott Peck, que “nas comunidades e por meio delas reside a salvação do mundo”. Para desenvolver suas reflexões sobre essa questão, bell hooks lembra que o capitalismo e o patriarcado, juntos, como estrutura de dominação, produziram o afastamento das famílias nucleares de suas respectivas famílias estendidas. Por essa razão, aumentaram os abusos de poder no ambiente familiar, pois a família estendida é um lugar onde podemos aprender o poder da comunidade. Outra possibilidade importante dessa experiência de comunidade é a amizade, que para muitos é o primeiro contato com uma “comunidade carinhosa”. hooks reforça que amar em amizades nos fortalece de tal maneira que nos permite levar esse amor para as interações familiares e românticas. E, embora seja comum afrouxarmos os laços de amizade quando criamos laços românticos, quanto mais verdadeiros forem nossos amores românticos, menos teremos de nos afastar das nossas amizades, pois “a confiança é a pulsação do verdadeiro amor”. Ao nos engajarmos em uma prática amorosa, podemos estabelecer as bases para a construção de uma comunidade com desconhecidos. Esse amor que criamos em comunidade permanece conosco aonde quer que vamos, diz hooks.

“Reciprocidade: o coração do amor”, o nono capítulo, se inicia com os dizeres: “O amor nos permite adentrar o paraíso”. Para falar da construção amorosa entre casais, a autora parte dos equívocos ocorridos nos seus dois relacionamentos afetivos mais intensos, de um lado devido à falta de definição do que seria o amor e, de outro, pela confusão de esperar receber do companheiro o amor que não recebeu da família. Aponta que, mesmo em relacionamentos não heterossexuais, a tendência é o casal assumir uma lógica de que um dos parceiros deve sustentar o amor e o outro, apenas o seguir. Acrescenta ainda o fato de que as mulheres são encorajadas pelo pensamento patriarcal a acreditar que deveriam ser sempre amorosas, porém, isso não significa dizer que estão mais capacitadas do que os homens para fazer isso. Por essa razão, é comum que mulheres procurem livros de autoajuda para aprender a amar e manter o relacionamento. No entanto, grande parte desses livros normalizam o machismo e ensinam a manipular, a jogar um jogo de poder que nada tem a ver com o amor.

No décimo capítulo, “Romance: o doce amor”, bell hooks afirma categoricamente que poucas pessoas entram num relacionamento romântico possuindo a capacidade de realmente receber amor. Isso porque criamos envolvimentos amorosos que estão condenados a repetir os nossos dramas familiares. Comentando sobre o romance O olho mais azul, de Toni Morrison, ela diz que “a ideia de amor romântico é uma das ideias mais destrutivas na história do pensamento humano”. Esse amor que se dá num “estalo”, num “clique”, que não necessita de construção e depende apenas de “química” atrapalha o nosso caminho para o amor. O amor é tanto uma intenção como uma ação. Nossa cultura valoriza demais o amor como fantasia ou mito, mas não faz o mesmo em relação à arte de amar. Ao não atingirem esse mito, as pessoas se decepcionam. No entanto, é preciso entender que essa decepção é pelo amor romântico não alcançado. O amor verdadeiro, quando buscado, nem sempre nos levará ao “felizes para sempre” e, mesmo se o fizer, é preciso que saibamos: amar dá trabalho, não é essa história perfeita e pronta dos contos de fadas.

Em “Perda: amar na vida e na morte”, o décimo primeiro capítulo, a autora trata do medo coletivo da morte, apresentando-o como uma doença do coração para a qual a única cura é o amor. Da mesma maneira, somos incapazes de falar sobre a nossa necessidade de amar e sermos amados. Por medo de que nos vejam como fracos, raramente compartilhamos nossos pensamentos sobre a mortalidade e a perda. É isso que bell hooks nos convida a fazer

O capítulo 12, “Cura: o amor redentor”, nos leva a refletir sobre nossas dores, pois, ainda que tenham nos ensinado o contrário, sofrimentos desnecessários nos ferem. A escolha que temos é não permitir que tais sofrimentos nos deixem cicatrizes por toda a vida. O que faremos dessas marcas está em nossas mãos. O poder curativo da mente e do coração está sempre presente, e nós temos a capacidade de renovar nosso espírito e nossa alma. No entanto, é bastante difícil conseguirmos nos curar em isolamento: a cura é um ato de comunhão. bell hooks diz que precisamos conhecer a compaixão e nos envolver num processo de perdão para nos livrarmos de toda bagagem que carregamos e que impede a nossa cura. O perdão intensifica nossa capacidade de apoiarmos uns aos outros. Fazer as pazes com nós mesmos e com os outros é o presente que a compaixão e o perdão nos oferecem. A autora nos ensina que ser positivo e viver em um estado permanente de esperança renova o espírito e que, quando reavivamos nossa fé na promessa do amor, a esperança se torna nossa cúmplice.

O capítulo 13, “Destino: quando os anjos falam de amor”, fecha o livro apresentando a relação de bell hooks com os anjos. Anjos são aqueles que trazem as notícias que darão alívio ao nosso coração. São os guardiães do bem-estar da alma. Revelam nosso desejo coletivo de regressar ao amor. A autora relata que as primeiras histórias de anjos lhe foram contadas ainda na infância, quando frequentava a igreja, onde aprendeu que os anjos eram consoladores sábios nos momentos de solidão. E, conforme foi crescendo, hooks passou a descobrir muitos anjos em seus autores preferidos, cujos livros permitem entender a vida com mais complexidade. Ela finaliza dizendo que, depois de tanto ficar sozinha, no escuro do quarto, agarrada à metafísica do amor, tentando entender seu mistério, pôde finalmente alcançar uma nova visão do amor. E a essa prática espiritual disciplinada ela chama de “prática de abrir o coração”. Foi isso que desde então a levou a seguir o caminho do amor e a “falar cara a cara com os anjos”.

Na teoria sobre o amor de bell hooks é possível perceber inspirações das igrejas cristãs negras do sul dos Estados Unidos e também da filosofia budista, especialmente com base no mestre zen vietnamita Thich Nhat Hanh, cuja atuação disseminou o conceito de “budismo engajado”, que diz respeito a somar a observação dos preceitos básicos do budismo com uma prática cotidiana socialmente comprometida. Ao lermos Tudo sobre o amor, podemos encontrar também diversos pontos de contato com as ideias trazidas pela filósofa burquinense Sobonfu Somé, em seu livro O espírito da intimidade: ensinamentos ancestrais africanos sobre maneiras de se relacionar, sobretudo no que se refere ao conceito de comunidade. Nesse sentido, ao propor que as transformações desejadas para a sociedade ocorram por meio da prática do amor, bell hooks nos afasta dos paradigmas eurocêntricos e coloniais que construíram a sociedade ocidental, baseada em exploração, injustiça, racismo e sexismo, e (re)direciona o nosso pensamento e a nossa prática rumo à ancestralidade.

A tradução deste livro, trazendo a ideia do amor como transformação política, chega num momento muito oportuno e necessário. Por aqui, essa semente já brotou. Existem pessoas pensando o amor para além do “amor romântico”, como o pastor Henrique Vieira, que destaca a força poderosa do amor para a destruição de preconceitos e a construção de uma sociedade mais justa em seu livro O amor como revolução, ou como o professor Renato Noguera, especialista em estudos africanos, que se dedica a produzir reflexões sobre o amor e é autor do livro Por que amamos: o que os mitos e a filosofia têm a dizer sobre o amor. Nesse caminho segue também a pensadora Carla Akotirene que, ancorada nos estudos do feminismo negro e na ancestralidade, discute o papel político das afetividades, inserindo no debate a urgência do combate à violência doméstica. Pesquisadores voltados para a filosofia africana têm (re)construído conhecimentos que dialogam diretamente com o pensamento de bell hooks em sua Trilogia do Amor. Exemplos disso são os trabalhos de Katiúscia Ribeiro e Wanderson Nascimento. Este último tem um artigo escrito em parceria com Vinícius da Silva, com o título “Políticas do amor e sociedades do amanhã”. Sendo assim, acredito que as lições de bell hooks sobre o amor, apresentadas em português pela Editora Elefante, servirão para difundir e fortalecer ainda mais essa construção. O futuro é ancestral.

Silvane Silva é doutora em história social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (puc-sp) com a tese O protagonismo das mulheres quilombolas na luta por direitos em comunidades do Estado de São Paulo (1988-2018). Em 2018, participou do Programa de Incentivo Acadêmico Abdias do Nascimento como pesquisadora visitante no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. É co-organizadora do livro Narrativas quilombolas: dialogar, conhecer, comunicar (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2017). Atua como professora e pesquisadora nas temáticas história e cultura afro-brasileira, educação para relações étnico-raciais e educação escolar quilombola. É pesquisadora do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora (Cecafro) da puc-sp e integrante do Grupo de Estudos em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (usp).

Assim a sociedade de consumo destrói a biodiversidade do planeta (El País)

Pesquisa correlaciona a extinção de espécies com a origem dos produtos do comércio global

Os orangotangos de Bornéu estão ameaçados pela produção de óleo de palma.

Os orangotangos de Bornéu estão ameaçados pela produção de óleo de palma.  JEFTA IMAGES / BARCROFT

JAVIER SALAS

5 JAN 2017 – 00:53 CET 

Os humanos começam a admitir que somos como um meteorito que vai provocar a nova megaextinção de espécies no planeta Terra. Mas ainda nos falta muita informação sobre o tamanho desse meteorito coletivo e o alcance da devastação que juntos causaremos. Sabemos, por exemplo, que a exploração maciça dos recursos naturais é um dos grandes fatores associados à devastação da biodiversidade, mas são necessários mais dados para conectar esse fenômeno com nosso consumo desmesurado.

Um estudo pioneiro, divulgado nesta quarta-feira, mostra a grande responsabilidade do comércio global na extinção maciça de espécies no mundo, traçando uma clara correlação entre a cesta de compras dos países mais consumidores e as selvagens pressões que massacram os tesouros naturais. O cafezinho que alguém toma nos EUA, por exemplo, está ligado ao desmatamentoda América Central – onde esse café é cultivado –, e esse é o habitat do acuado macaco-aranha, o mais ameaçado do planeta.

“Pelo menos um terço das ameaças à biodiversidade em todo o mundo estão vinculadas à produção para o comércio internacional”, dizem os autores do estudo publicado na Nature Ecology & Evolution. Em seu trabalho, eles mapearam locais do planeta onde há quase 7.000 espécies ameaçadas, estabelecendo sua conexão com a cadeia de consumo nos EUA, China e Japão. Desse modo, pode-se ver facilmente como os animais sob risco em determinados pontos do planeta sofrem com a demanda de bens por parte dos grandes consumidores.

Mapa dos lugares com espécies ameaçadas em relação com o consumo de bens nos EUA.

Mapa dos lugares com espécies ameaçadas em relação com o consumo de bens nos EUA.  NATURE

 Por exemplo, o lince e dúzias de outras espécies sofrem na península Ibérica pela pressão da produção agrícola que abastece os mercados europeus e norte-americanos. “É digno de menção o importante rastro dos EUA na biodiversidade do sul da Espanha e Portugal, ligado aos impactos sobre uma série de espécies ameaçadas de peixes e aves, já que esses países raramente são percebidos como pontos de ameaça”, afirmam os autores no estudo.

No Brasil, a principal ameaça está no sul, no planalto brasileiro, devido à agropecuária extensiva, e não na Amazônia

“O que este trabalho nos mostra é que os humanos estão assaltando o planeta”, resume David Nogués-Bravo, especialista em macroecologia da Universidade de Copenhague. Nogués-Bravo, que não participou do estudo, diz que os impactos humanos sobre a natureza podem ser representados como um redemoinho que engole a diversidade de seres vivos sobre a Terra. “Esse turbilhão é constituído por três nós: poder, comida e dinheiro. A capacidade da nossa espécie de sugar energia e recursos do planeta é quase ilimitada, e é o que está provocando a sexta extinção maciça na história da Terra”, denúncia o ecologista.

Para ele, tanto o enfoque como os resultados são muito pertinentes, porque põem em perspectiva as perdas de biodiversidade, principalmente em países tropicais em vias de desenvolvimento, e os fluxos de demanda que se originam nos países mais ricos e industrializados.

“O planeta inteiro se tornou uma fazenda, tudo está a serviço de fornecer cada vez mais bens”, critica Juan Carlos del Olmo, secretário-geral da organização conservacionista WWF na Espanha. “O maior vetor de destruição da biodiversidade é a produção de alimentos numa escala brutal”, aponta. Os autores do estudo relatam, por exemplo, sua surpresa ao comprovar que o principal foco de ameaça aos tesouros naturais do Brasil não está na Amazônia. “Apesar da grande atenção dedicada à selva amazônica, o rastro norte-americano no Brasil é maior no sul, no planalto brasileiro, onde há práticas agropecuárias extensivas”, ressalta o trabalho.

“Os humanos estão assaltando o planeta. A capacidade da nossa espécie de sugar energia e recursos no planeta é quase ilimitada”, resume Nogués-Bravo

“E o rastro ecológico não para de crescer”, acrescenta Del Olmo, “mas reduzir esse rastro não é fácil; não podemos fomentar um consumo responsável se depois vamos jogar fora 25% do que se produz”. Como alterar a influência negativa destes fluxos? “Com este enfoque, do rastro de cima para baixo, examinamos todas as espécies ameaçadas e a atividade econômica em conjunto, razão pela qual pode ser difícil estabelecer vínculos claros entre consumo, comércio e impacto”, admitiu ao EL PAÍS um dos autores do estudo, Keiichiro Kanemoto, da Universidade de Shinshu.

“Precisamos ver de onde importamos e onde estão as espécies ameaçadas. Nosso mapa pode ajudar as empresas a fazerem uma cuidadosa seleção dos seus insumos e assim aliviar os impactos sobre a biodiversidade”, diz Kanemoto. Segundo o pesquisador, se as empresas oferecerem informações em seus produtos sobre as ameaças a espécies nas cadeias de suprimento, os consumidores poderão escolher em seu cotidiano produtos favoráveis à biodiversidade.

Os morangos que afogam o lince

“Esperamos que as empresas comparem nossos mapas e seus lugares de aquisição e então reconsiderem suas cadeias de suprimento, e queremos trabalhar com elas para começar a tomar medidas reais”, afirma Kanemoto. Neste sentido, Del Olmo diz que o trabalho do WWF há bastante tempo vem se voltando para esse foco: fazer com que todos os participantes da cadeia conheçam o impacto sobre a biodiversidade, para que a indústria, os fornecedores e os consumidores evitem os bens que mais causam danos na sua origem. Em outras palavras, que todos estejam conscientes de que o café coloca em risco o macaco-arranha, assim como o óleo de palma (dendê) ameaça o orangotango na Indonésia.

O estudo de Kanemoto e seus colegas ressalta como é inesperada a aparição da Espanha como uma região com grandes problemas de biodiversidade por culpa do consumo fora das suas fronteiras. Apontam especificamente o lince, que reina no Parque Nacional e Natural de Doñana, no sul do país, e que chegou a ser o felino mais ameaçado da Terra, entre outros motivos pela perda de hábitat. “Do ponto de vista da biodiversidade, a Espanha é o Bornéu da Europa. Nas grandes espécies a briga está acontecendo, mas a biodiversidade pequena – anfíbios, aves e peixes – está desaparecendo a uma velocidade brutal”, lamenta Del Olmo.

O diretor do WWF na Espanha cita como exemplo os morangos: a água que dava de beber à marisma de Doñana é atualmente usada nos milhares de hectares de cultivo de morangos. Essa área responde por 60% do cultivo da fruta na Espanha, e metade da água usada vem de poços ilegais, que secam o entorno. “O uso brutal da água e do território, o impacto da agricultura para exportar produtos a todo o mundo, deixa os aquíferos secos. Não notamos, mas o impacto é impressionante”, explica Del Olmo. E acrescenta: “Por isso dizemos às grandes redes varejistas: não comprem de quem usa poços ilegais e está destruindo a biodiversidade. Premiem quem faz direito”.

David Graeber: Sobre o Fenômeno dos Empregos de Merda

Um texto do antropólogo David Graeber que explica porque é que em vez de diminuir, o horário de trabalho não pára de crescer.

constructivist-job-illustration-e1379098388568

Nos últimos anos na Europa e nos Estados Unidos o horário de trabalho tem vindo a aumentar. Em Portugal a jornada de trabalho para a Função Pública amentou das 35 para as 40 horas perante a passividade quase total dos sindicatos oficiais. Em Espanha, a CNT e a CGT reivindicam há muito as 30 horas semanais. Há pouco mais de 80 anos os economistas acreditavam que na viragem do século XX para o XXI, devido aos progressos tecnológicos (que continuam a verificar-se) o tempo de trabalho diário não ultrapassaria as 3 ou as 4 horas. O antropólogo anarquista e membro do Occupy Wall Street, David Graeber, explica a inutilidade dos empregos (e dos trabalhos) de merda criados nas últimas décadas. Que só servem para nos prender aos locais de trabalho, não para produzir ou fazer quaisquer trabalhos socialmente relevantes.

David Graeber

No ano de 1930 John Maynard Keynes previu que, até ao final do século XX, a tecnologia teria avançado o suficiente para que países como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos pudessem implementar a semana laboral de 15 horas. Não faltam motivos para acreditar que tinha razão, dado que a nossa tecnologia actual o permitiria. E, no entanto, isso não aconteceu. Em vez disso, a tecnologia inventou novas formas para que trabalhemos mais. A fim de alcançar este objectivo, foram criados novos trabalhos, que não têm, efectivamente, nenhum sentido. Enormes quantidades de pessoas, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, passam toda a sua vida profissional na execução de tarefas que, no fundo, consideram completamente desnecessárias. É uma situação que provoca um dano moral e espiritual profundo. É uma cicatriz que marca a nossa alma colectiva. Mas quase ninguém fala disso.

Por que é que nunca se materializou a utopia prometida por Keynes – uma utopia ainda aguardada com grande expectativa nos anos 60? A explicação mais generalizada hoje em dia é que Keynes não soube prever o aumento massivo do Consumismo. Face à alternativa entre menos horas de trabalho ou mais brinquedos e prazeres, teríamos escolhido colectivamente a segunda opção. É uma fábula muito bonita, mas basta apenas um momento de reflexão para vermos que isso não pode ser realmente verdade. De facto temos assistido à criação de uma variedade infinita de novos empregos e indústrias, desde a década de 20, mas muito poucos têm alguma coisa a ver com a produção e distribuição de sushi, iPhones ou de calçado desportivo de moda.

Então, quais são, precisamente, esses novos postos de trabalho? Um relatório comparando o emprego nos EUA entre 1910 e 2000, dá-nos uma imagem muito clara (que, sublinho se vê praticamente reflectida no Reino Unido). Ao longo do século passado, diminuiu drasticamente o número de trabalhadores empregados no serviço doméstico, na indústria e no sector agrícola. Ao mesmo tempo, “a nível profissional, os directores, os administrativos, os vendedores e os trabalhadores dos serviçostriplicaram, crescendo de um quarto a três quartos do emprego total. Por outras palavras, os empregos no sector produtivo, tal como previsto, muitos trabalhos produtivos automatizaram-se (ainda que se conte a totalidade dos trabalhadores da indústria a nível mundial, incluindo a grande massa de trabalhadores explorados da Índia e da China, estes trabalhadores já não representam uma percentagem da população mundial tão elevada como era habitual).

Mas ao contrário de possibilitar uma redução massiva do horário laboral de maneira a que todas as pessoas tenham tempo livre para se ocuparem dos seus próprios projectos, prazeres, visões e ideias, temos visto um aumento do tempo de trabalho tanto no “sector de serviços” como no administrativo. Isto inclui a criação de novas indústrias, como os serviços financeiros ou de telemarketing e a expansão de sectores como o direito empresarial, a gestão do ensino e da saúde, os recursos humanos e as relações públicas. E estes números nem sequer reflectem todas as pessoas cujo trabalho é fornecer serviços administrativos, técnicos, ou de segurança para essas indústrias, para não mencionar toda uma gama de sectores secundários (tratadores de cães, entregadores de pizza 24 horas) que devem a sua existência ao facto do resto da população passar tanto tempo a trabalhar noutros sectores.  <!–more–>

Estes são os trabalhos a que proponho chamar de “empregos de merda.”

É como se alguém estivesse a inventar trabalhos apenas para nos terem ocupados. É aqui, precisamente, que reside o mistério. E isso é exactamente o que não devia acontecer no capitalismo. Claro que, nos antigos e ineficientes estados socialistas como a União Soviética, onde o emprego era considerado tanto um direito como uma obrigação sagrada, o sistema criava todos os empregos que fizessem falta, (era este o motivo que levava a que nas lojas soviéticas fossem “precisos” três empregados para vender um só bife). Mas, é claro, este é o tipo de problema que é suposto ser corrigido com a concorrência dos mercados. De acordo com a teoria económica dominante, desperdiçar dinheiro em postos de trabalho desnecessários é o que menos interessa a uma companhia que queira ter lucro. Mas ainda assim, e sem se perceber muito bem porquê, é isso que acontece.

Ainda que muitas empresas se dediquem a reduzir o número de trabalhadores de forma cruel, estes despedimentos – e o aumento de responsabilidade para os que permanecem -, recaem invariavelmente sobre os que se dedicam a fabricar, transportar, reparar e manter as coisas.

Devido a uma estranha metamorfose, que ninguém é capaz de explicar, o número de administrativos assalariados parece continuar a aumentar.  O resultado, e isto acontecia também com os trabalhadores soviéticos, é que cada vez há mais empregados que, teoricamente, trabalham 40 ou 50 horas semanais, mas que, na prática, só trabalham as 15 horas previstas por Keynes, já que levam o resto do dia a organizarem ou a participarem em seminários motivacionais, actualizando os seus perfis do Facebook ou fazendo downloads de vídeos e musica.

É claro que a reposta não é económica, mas sim moral e política. A classe dirigente descobriu que uma população feliz e produtiva com abundante tempo livre nas suas mãos representa um perigo mortal (recordemos o que começou a acontecer na primeira vez em que houve uma pequena aproximação a algo deste tipo, nos anos 60). Por outro lado, o sentimento de que o trabalho é um valor moral em si mesmo e que quem não esteja disposto a submeter-se a uma disciplina laboral intensa durante a maior parte da sua vida não merece nada, é algo que lhes é muito conveniente.

Certa vez, ao contemplar o crescimento aparentemente interminável de responsabilidades administrativas nos departamentos académicos britânicos, imaginei uma possível visão do inferno. O inferno é um conjunto de indivíduos que passam a maior parte do seu desempenhando tarefas de que nem gostam nem fazem especialmente bem. Imaginemos que se contratam uns marceneiros altamente qualificados e que, de repente, descobrem que o seu trabalho consistirá em passarem grande parte do dia a fritarem peixe. Não é que a tarefa realmente necessite de ser feita – há apenas um número muito limitado de peixes que é preciso fritar. Ainda assim, todos eles tornam-se obcecados com a suspeita de que alguns dos seus companheiros possam passar mais tempo a talhar madeira do que a cumprirem as suas responsabilidade como fritadores de peixe que, rapidamente, vamos encontrar pilhas intermináveis de inútil peixe mal frito, acumulado por toda a oficina, acabando, todos eles, por se dedicarem exclusivamente a isso.

Acho que esta é realmente uma descrição bastante precisa da dinâmica moral da nossa própria economia.

CapturarEstou consciente de que argumentos como este vão ter objecções imediatas. “Quem és tu para determinar quais os trabalhos que são ‘necessários’? O que é necessário, afinal? És professor de antropologia, explica-me a ‘necessidade’ disso? “. (E, na verdade muitos leitores de imprensa cor-de-rosa classificariam o meu trabalho como a definição por excelência de um investimento social desperdiçado). E, em certo sentido, isso é obviamente verdadeiro. Não há uma forma objectiva de medir o valor social.

Não me atreveria a dizer a uma pessoa que está convencida de estar a contribuir com algo importante para a humanidade, de que, na verdade, está equivocada. Mas o que se passa com aqueles que têm a certeza de que os seus trabalhos não servem para nada? -Não há muito tempo atrás retomei o contacto com um amigo de escola que não via desde os meus 12 anos. Fiquei espantado ao descobrir que nesse intervalo de tempo, ele se tinha tornado poeta, e, foi vocalista de uma banda de rock indie. Inclusivamente, tinha ouvido algumas das suas músicas na rádio sem ter ideia que o cantor era meu amigo de infância. Ele era, obviamente, uma pessoa inovadora e genial, e o seu trabalho tinha, sem dúvida, melhorado e alegrado a vida de muitas pessoas em todo o mundo. No entanto, depois de um par de álbuns sem sucesso, perdeu o contrato com a editora e atormentado com dívidas e uma filha recém-nascida, acabou, como ele descreveu, por “tomar a opção que, por exclusão, muitas pessoas sem rumo escolhem: a Faculdade de Direito”. Agora é um advogado de negócios e trabalha numa proeminente empresa de Nova York. Ele foi o primeiro a admitir que o seu trabalho era totalmente sem sentido, não contribuindo em nada para a humanidade e que, na sua própria opinião, nem sequer deveria existir.

Chegados aqui há uma série de perguntas que podemos fazer. A primeira seria: o que é que isto revela sobre a nossa sociedade que parece gerar uma procura extremamente limitada para poetas e músicos talentosos, mas uma procura aparentemente infinita de especialistas em direito empresarial. (Resposta: Se 1% da população controla a maior parte da riqueza disponível, o denominado “mercado” reflectirá o que essa ínfima minoria, e ninguém a não serem eles, acha que é útil ou importante). Mas, ainda mais, isto mostra que a maioria das pessoas nesses empregos estão conscientes desta realidade. Na verdade, creio que nunca conheci nenhum advogado corporativo que não achasse que o seu trabalho é uma estupidez. O mesmo é válido para quase todos os novos sectores anteriormente mencionados. Há toda uma classe de profissionais assalariados que se os encontrarmos numa festa e lhes confessarmos que nos dedicamos a algo que pode ser considerado interessante (como, por exemplo, a antropologia) evitam falar da sua profissão. Mas, depois de algumas bebidas, é vê-los a fazerem discursos inflamados sobre a estupidez e a inutilidade do seu trabalho.

Há aqui uma profunda violência psicológica. Como é que podemos fazer uma discussão séria sobre a dignidade laboral quando há tanta gente que, no fundo, acha que o seu trabalho nem sequer deveria existir? Inevitavelmente, isto dá lugar ao ressentimento e a uma raiva muito profunda. No entanto, é no engenho peculiar da nossa sociedade que os governantes encontraram uma maneira – como no exemplo dos fritadores de peixe – de garantir que a raiva é dirigida precisamente contra aqueles que realizam tarefas úteis. Parece mesmo haver na nossa sociedade uma regra geral segundo a qual quanto um trabalho é mais benéfico para os outros, pior é a sua remuneração. Mais uma vez é difícil encontrar uma avaliação objectiva, mas uma maneira fácil de ter uma ideia seria perguntarmo-nos: que aconteceria se todo este grupo de trabalhadores simplesmente desaparecesse?  Diga o que se disser sobre enfermeiros, empregados do lixo ou mecânicos, é óbvio que se eles desaparecessem numa nuvem de fumo, os resultados seriam imediatos e catastróficos. Um mundo sem professores ou trabalhadores portuários não tardaria a estar em apuros e um mundo sem escritores de ficção científica ou músicos de ska seria, sem dúvida, um mundo pior. Ainda não está totalmente claro quanto sofreria a humanidade se todos os investidores de capital privado, lobyistas, investigadores, seguradores, operadores de telemarketing, oficiais de justiça ou consultores legais se esfumassem da mesma forma. (Há quem suspeite que tudo melhoraria sensivelmente). No entanto, para além de um punhado de bem elogiadas excepções, como, por exemplo, os médicos, a “regra” mantém-se com surpreendente frequência.

Ainda mais perversa é a noção generalizada de que é assim que as coisas devem ser. Este é um dos segredos do êxito do populismo de direita. Podemos comprová-lo quando a imprensa sensacionalista suscita o ressentimento contra os trabalhadores do metro por paralisarem Londres durante um conflito laboral. O simples facto de que os trabalhadores do metro possam paralisar toda a cidade de Londres demonstra a necessidade do trabalho que desempenham, mas é precisamente isso que parece incomodar tantas pessoas. Nos Estados Unidos vão ainda mais longe; os Republicanos tiveram muito êxito propagando o ressentimento relativamente aos professores ou aos operários do sector automóvel ao chamar a atenção para os seus salários e prestações sociais supostamente excessivos (e não contra os administradores escolares e gestores da indústria automóvel que são quem realmente causa os problemas, o que é significativo).

É como se eles nos estivessem a dizer: “mas sim, tens a sorte de poder ensinar crianças! Ou fazer carros! Fazeis trabalhos de verdade! E, como se fosse pouco, tendes a desfaçatez de reclamar pensões de reforma e cuidados de saúde equivalentes às da classe média!?”

Se alguém tivesse desenhado um regime de trabalho com o fim exclusivo de manter os privilégios do mundo financeiro dificilmente podia ter feito melhor. Os trabalhadores que realmente produzem sofrem uma exploração e uma precariedade constantes. Os restantes dividem-se entre o estrato aterrorizado e universalmente desprezado dos desempregados e outro estrato maior, que basicamente recebe um salário em troca de não fazer nada, em lugares desenhados para que se identifiquem com a sensibilidade e a perspectiva da classe dirigente (directores, administradores, etc.) – e em particular dos seus avatares financeiros – a qual, ao mesmo tempo, promove o crescente ressentimento contra aqueles cujo trabalho tem um valor social claro e indiscutível. Evidentemente que este sistema não é fruto de um plano inicialmente previsto, mas emergiu como o resultado de quase um século de tentativas e erros. E é a única explicação possível para o facto de, apesar da nossa capacidade tecnológica, não se ter implantado ainda a jornada laboral de três ou quatro horas.

“On the Phenomenon of Bullshit Jobs” by David Graeber, aqui http://www.strikemag.org/the-summer-of/

Traduzido pelo CLE a partir da versão espanhola. http://guerrillatranslation.com/2013/09/24/el-fenomeno-de-los-curros-inutiles/

Crônicas do Consumismo, à entrada de dezembro (Envolverde)

03/12/2013 – 12h14

por George Monbiot*

consumo Crônicas do Consumismo, à entrada de dezembro

Grafite anti-consumista. Foto: Edgar Fabiano

Publicidade ensina crianças a acariciar… o plástico. Jornais anunciam skates de mogno. E se “Admirável Mundo Novo” já não for ficção?

A culpa cumpre um papel. É o que distingue o resto da população dos psicopatas. Trata-se do sentimento que você tem quando é capaz de sentir empatia. Mas a culpa inibe o consumo. Para sufocá-la, surgiu uma indústria global que usa celebridades, personagens de desenhos animados e música de elevador. Ela procura nos convencer a não ver e a não sentir. Parece funcionar.

Os resultados da pesquisa Greendex 2012 (“Consumers Choice and the Environment”, ou “As Opções dos Consumidores e o Meio-ambinte”) mostram que nos países mais pobres as pessoas sentem-se, em geral, mais culpadas com relação aos impactos causados na natureza do que as populações dos países ricos. Os países onde as pessoas sentem menos culpa são Alemanha, Estados Unidos, Austrália e Grã-Bretanha, nessa ordem – enquanto Índia, China, México e Brasil são os países onde as pessoas estão mais preocupadas. Nossa culpa, revela o estudo, acontece na proporção inversa ao tamanho dos danos causados pelo consumo. Isso é o contrário do que nos dizem milhares de editoriais da imprensa corporativa: que as pessoas não podem dar-se ao luxo de cuidar da natureza até que se tornem ricas. As evidências sugerem que deixamos de cuidar justamente quando nos tornamos ricos.

“Consumidores em países como México, Brasil, China e Índia”, diz o estudo, “tendem a ser mais preocupados com as questões das mudanças climáticas, poluição do ar e da água, desaparecimento de espécies e escassez de água doce … Por outro lado, a economia e os custos de energia e combustível suscitam a maior preocupação entre os consumidores norte-americanos, franceses e britânicos.” Quanto mais dinheiro se tem, mais importante ele se torna. Meu palpite é que nos países mais pobres a empatia não foi tão entorpecida por décadas de consumo irracional.

Assista ao mais recente anúncio da Toys R Us nos EUA. Um homem vestido como guarda florestal arrebanha crianças em um ônibus verde em que se lê “Encontre a Fundação Árvores”. “Hoje nós estamos levando as crianças à viagem de campo que mais poderiam desejar”, diz o guarda dirigindo-se a nós. “E eles nem sabem disso.”

No ônibus ele começa a ensiná-las, mal, sobre as folhas. As crianças bocejam e se mexem nos bancos. De repente, ele anuncia: “Mas nós não estamos indo à floresta hoje …” Ele tira a camisa de guarda florestal. “Estamos indo para a Toys R Us, pessoal!” As crianças ficam alucinadas. “Vamos brincar com todos os brinquedos, e vocês podem escolher o brinquedo que quiserem!” As crianças correm, em câmera lenta, pelos corredores da loja, e quase desmaiam enquanto acariciam os brinquedos.

A natureza é um tédio, já o plástico é emocionante. Crianças que vivem no centro da cidade e que levei a um bosque, semanas atrás, contariam uma história diferente; mas a mensagem, martelada com suficiente frequência, acaba por tornar-se verdadeira.

O Natal permite que a indústria global de besteiras recrute os valores com os quais muitos de nós gostaríamos que a data estivesse associada – o amor, a vivacidade, uma comunidade espiritual –, com o único objetivo de vender coisas de que ninguém necessita ou mesmo deseja. Infelizmente, como todos os jornais, The Guardian participa dessa orgia. A revista de sábado trazia o que parecia ser uma lista de compras para os últimos dias do Império Romano. Há um relógio cuco inteligente para os que têm familiares estúpidos o suficiente, uma chaleira operada remotamente, um distribuidor de sabão líquido por 55 libras [R$ 210]; um skate de mogno (vergonhosamente, a origem da madeira não é mencionada nem pelo Guardian, nem pelo varejista), um “pino pappardelle de rolamento”, seja lá que diabo for isso, bugigangas de chocolate a 25 libras [R$ 96], uma caixa de… barbante de jardim (!) por 16 libras [R$ 61].

Estaremos tão entediados, tão carentes de afeto, que precisamos ganhar essas porcarias para acender uma última centelha de satisfação hedonista? Terão as pessoas se tornado tão imunes ao sentimento de irmandade a ponto de se prontificarem a gastar 46 libras [R$ 177] num pacote de petiscos para cães ou 6,50 libras [R$ 20] em incríveis biscoitos personalizados, em vez de dar o dinheiro a uma causa melhor? Ou isso é o potlatch do mundo ocidental, no qual gastam-se quantias ridículas em presentes ostensivamente inúteis, para melhorar nosso status social? Se assim for, devemos ter esquecido que aqueles que se deixam impressionar por dinheiro não merecem ser impressionados.

Para atender a essa forma peculiar de doença mental, devemos retalhar a Terra, abrir grandes buracos na superfície do planeta, ocupar-se fugazmente com os produtos da destruição e então despejar os materiais em outros buracos.Relatório da Fundação Gaia revela um crescimento explosivo no ritmo da mineração: a produção de cobalto aumentou 165% em 10 anos, a doo minério de ferro em 180% e, entre 2010 e 2011, houve um aumento de 50% na exploração de metais não-ferrosos.

Os produtos dessa destruição estão em tudo: eletroeletrônicos, plásticos, cerâmicas, tintas, corantes, a embalagem em que nossas besteiras vão chegar. À medida que os depósitos mais ricos se esgotam, cada vez mais terra deve ser rasgada para manter a produção. Mesmo os materiais mais preciosos e destrutivos são sucateados quando um novo nível de dopamina torna-se necessário: o governo do Reino Unido informa que uma tonelada de ouro, embutido em equipamentos eletrônicos, é depositada nos aterros a cada ano, neste país.

Em agosto, uma briga das mais instrutivas inflamou o Partido Conservador. O ministro do Meio Ambiente, Lord de Mauley, pediu às pessoas para consertar suas engenhocas em vez de atirá-las no lixo. Isso era necessário, argumentou, para reduzir a quantidade de aterros, seguindo as diretrizes da política europeia de resíduos. Para o The Telegraph, “as propostas poderiam alarmar as empresas que lutam para aumentar a demanda por seus produtos.” O parlamentar do Partido Conservador Douglas Carswell bradou: “desde quando precisamos do governo para nos dizer o que fazer com torradeiras quebradas?”…

Para ele, o programa de recuperação econômica do governo depende de consumo incessante: se as pessoas começarem a consertar as coisas, o esquema entra em colapso; skates de mogno e chaleiras wifi são respostas necessárias a um mercado saturado; o deus de ferro do crescimento, ao qual nos devemos curvar, demanda que gastemos o mundo dos vivos até o esquecimento fim dos tempos.

“‘Mas roupas velhas são estupidez’, continuou o sussurro incansável. ‘Nós sempre jogamos fora as roupas velhas. Descartar é melhor que consertar, descartar é melhor que consertar.’” O Admirável Mundo Novo parece menos fantástico, a cada ano.

George Monbiot é jornalista é escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian./ Tradução: Inês Castilho.

** Publicado originalmente no site Outras Palavras.

Monbiot: The Gift of Death (The Guardian)

December 10, 2012

Pathological consumption has become so normalised that we scarcely notice it.

By George Monbiot, published in the Guardian 11th December 2012

There’s nothing they need, nothing they don’t own already, nothing they even want. So you buy them a solar-powered waving queen; a belly button brush; a silver-plated ice cream tub holder; a “hilarious” inflatable zimmer frame; a confection of plastic and electronics called Terry the Swearing Turtle; or – and somehow I find this significant – a Scratch Off World wall map.

They seem amusing on the first day of Christmas, daft on the second, embarrassing on the third. By the twelfth they’re in landfill. For thirty seconds of dubious entertainment, or a hedonic stimulus that lasts no longer than a nicotine hit, we commission the use of materials whose impacts will ramify for generations.

Researching her film The Story of Stuff, Annie Leonard discovered that of the materials flowing through the consumer economy, only 1% remain in use six months after sale(1). Even the goods we might have expected to hold onto are soon condemned to destruction through either planned obsolescence (breaking quickly) or perceived obsolesence (becoming unfashionable).

But many of the products we buy, especially for Christmas, cannot become obsolescent. The term implies a loss of utility, but they had no utility in the first place. An electronic drum-machine t-shirt; a Darth Vader talking piggy bank; an ear-shaped i-phone case; an individual beer can chiller; an electronic wine breather; a sonic screwdriver remote control; bacon toothpaste; a dancing dog: no one is expected to use them, or even look at them, after Christmas Day. They are designed to elicit thanks, perhaps a snigger or two, and then be thrown away.

The fatuity of the products is matched by the profundity of the impacts. Rare materials, complex electronics, the energy needed for manufacture and transport are extracted and refined and combined into compounds of utter pointlessness. When you take account of the fossil fuels whose use we commission in other countries, manufacturing and consumption are responsible for more than half of our carbon dioxide production(2). We are screwing the planet to make solar-powered bath thermometers and desktop crazy golfers.

People in eastern Congo are massacred to facilitate smart phone upgrades of ever diminishing marginal utility(3). Forests are felled to make “personalised heart-shaped wooden cheese board sets”. Rivers are poisoned to manufacture talking fish. This is pathological consumption: a world-consuming epidemic of collective madness, rendered so normal by advertising and the media that we scarcely notice what has happened to us.

In 2007, the journalist Adam Welz records, 13 rhinos were killed by poachers in South Africa. This year, so far, 585 have been shot(4). No one is entirely sure why. But one answer is that very rich people in Vietnam are now sprinkling ground rhino horn on their food or snorting it like cocaine to display their wealth. It’s grotesque, but it scarcely differs from what almost everyone in industrialised nations is doing: trashing the living world through pointless consumption.

This boom has not happened by accident. Our lives have been corralled and shaped in order to encourage it. World trade rules force countries to participate in the festival of junk. Governments cut taxes, deregulate business, manipulate interest rates to stimulate spending. But seldom do the engineers of these policies stop and ask “spending on what?”. When every conceivable want and need has been met (among those who have disposable money), growth depends on selling the utterly useless. The solemnity of the state, its might and majesty, are harnessed to the task of delivering Terry the Swearing Turtle to our doors.

Grown men and women devote their lives to manufacturing and marketing this rubbish, and dissing the idea of living without it. “I always knit my gifts”, says a woman in a television ad for an electronics outlet. “Well you shouldn’t,” replies the narrator(5). An advertisement for Google’s latest tablet shows a father and son camping in the woods. Their enjoyment depends on the Nexus 7’s special features(6). The best things in life are free, but we’ve found a way of selling them to you.

The growth of inequality that has accompanied the consumer boom ensures that the rising economic tide no longer lifts all boats. In the US in 2010 a remarkable 93% of the growth in incomes accrued to the top 1% of the population(7). The old excuse, that we must trash the planet to help the poor, simply does not wash. For a few decades of extra enrichment for those who already possess more money than they know how to spend, the prospects of everyone else who will live on this earth are diminished.

So effectively have governments, the media and advertisers associated consumption with prosperity and happiness that to say these things is to expose yourself to opprobrium and ridicule. Witness last week’s Moral Maze programme, in which most of the panel lined up to decry the idea of consuming less, and to associate it, somehow, with authoritarianism(8). When the world goes mad, those who resist are denounced as lunatics.

Bake them a cake, write them a poem, give them a kiss, tell them a joke, but for god’s sake stop trashing the planet to tell someone you care. All it shows is that you don’t.

http://www.monbiot.com

1. http://www.storyofstuff.org/movies-all/story-of-stuff/

2. It’s 57%. See http://www.monbiot.com/2010/05/05/carbon-graveyard/

3. See the film Blood in the Mobile. http://bloodinthemobile.org/

4.http://e360.yale.edu/feature/the_dirty_war_against_africas_remaining_rhinos/2595/

5. http://www.youtube.com/watch?v=i7VE2wlDkr8&list=UU25QbTq58EYBGf2_PDTqzFQ&index=9

6. http://www.ubergizmo.com/2012/07/commercial-for-googles-nexus-7-tablet-revealed/

7. Emmanuel Saez, 2nd March 2012. Striking it Richer: the Evolution of Top Incomes in the United States (Updated with 2009 and 2010 estimates).http://elsa.berkeley.edu/~saez/saez-UStopincomes-2010.pdf

8. http://www.bbc.co.uk/programmes/b01p424r