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You’re So Vain: Study Links Social Media Use and Narcissism (Science Daily)

June 11, 2013 — Facebook is a mirror and Twitter is a megaphone, according to a new University of Michigan study exploring how social media reflect and amplify the culture’s growing levels of narcissism.

New research shows that narcissistic college students and their adult counterparts use social media in different ways to boost their egos and control others’ perceptions of them. (Credit: © mtkang / Fotolia)

The study, published online inComputers in Human Behavior, was conducted by U-M researchers Elliot Panek, Yioryos Nardis and Sara Konrath.

“Among young adult college students, we found that those who scored higher in certain types of narcissism posted more often on Twitter,” said Panek, who recently received his doctorate in communication studies from U-M and will join Drexel University this fall as a visiting fellow.

“But among middle-aged adults from the general population, narcissists posted more frequent status updates on Facebook.”

According to Panek, Facebook serves narcissistic adults as a mirror.

“It’s about curating your own image, how you are seen, and also checking on how others respond to this image,” he said. “Middle-aged adults usually have already formed their social selves, and they use social media to gain approval from those who are already in their social circles.”

For narcissistic college students, the social media tool of choice is the megaphone of Twitter.

“Young people may overevaluate the importance of their own opinions,” Panek said. “Through Twitter, they’re trying to broaden their social circles and broadcast their views about a wide range of topics and issues.”

The researchers examined whether narcissism was related to the amount of daily Facebook and Twitter posting and to the amount of time spent on each social media site, including reading the posts and comments of others.

For one part of the study, the researchers recruited 486 college undergraduates. Three-quarters were female and the median age was 19. Participants answered questions about the extent of their social media use, and also took a personality assessment measuring different aspects of narcissism, including exhibitionism, exploitativeness, superiority, authority and self-sufficiency.

For the second part of the study, the researchers asked 93 adults, mostly white females, with an average age of 35, to complete an online survey.

According to Panek, the study shows that narcissistic college students and their adult counterparts use social media in different ways to boost their egos and control others’ perceptions of them.

“It’s important to analyze how often social media users actually post updates on sites, along with how much time they spend reading the posts and comments of others,” he said.

The researchers were unable to determine whether narcissism leads to increased use of social media, or whether social media use promotes narcissism, or whether some other factors explain the relationship. But the study is among the first to compare the relationship between narcissism and different kinds of social media in different age groups.

Funding for the study comes in part from The Character Project, sponsored by Wake Forest University via the John Templeton Foundation.

Journal Reference:

  1. Elliot T. Panek, Yioryos Nardis, Sara Konrath. Mirror or Megaphone?: How relationships between narcissism and social networking site use differ on Facebook and TwitterComputers in Human Behavior, 2013; 29 (5): 2004 DOI: 10.1016/j.chb.2013.04.012

Viveiros de Castro na SBPSP (Blog Ponto de Vista)

Por Amenéris Maroni

31 de agosto de 2012

A Revista Brasileira de Psicanálise[1], volume 44, cujo tema é ¨Alteridade¨, nos contempla com a ida de Viveiros de Castro à Sociedade Brasileira de Psicanálise/São Paulo para uma palestra intitulada  ¨O Anti- Narciso: lugar e função da antropologia no mundo contemporâneo¨. Parodiando G. Deleuze e F.Guattari, Viveiros de Castro abre a conferência brincando que Anti-Narciso é o nome de um livro que ele jamais escreverá –  contrapondo-o ao Anti-Édipo. O Anti- Édipo é uma crítica radical ao Édipo e, então, à psicanálise, o Anti-Narciso: uma crítica e uma grande reviravolta em relação à antropologia clássica. Só essa brincadeira deveria deixar de sobreaviso os psicanalistas: afinal sabe-se o papel que teve o Anti-Édipo na filosofia e na cultura – muito embora tenha sido pouco apreciado na psicanálise! O Anti-Narciso, suponho, teria o mesmo valor na antropologia: para a antropologia contemporânea proposta por Viveiros de Castro, Narciso  já não seria a figura central na relação com o outro-nativo!

Narciso – Caravaggio

Os psicanalistas – nos comentários que se seguiram à palestra de Viveiros de Castro –  não parecem ter compreendido a brincadeira. Será que leram o  Anti-Édipo?

O antropólogo, professor de etnologia do Museu Nacional, levou para a Sociedade Brasileira de Psicanálise temas inquietantes frutos da ¨nova antropologia¨. Nas linhas que seguem, discuto algumas das questões apresentadas pelo antropólogo aos psicanalistas e, desde já, chamo a atenção do leitor para o silêncio e o esvaziamento – no mal sentido – com que essas proposições foram recebidas pelos psicanalistas. Nos comentários à palestra do antropólogo, as evasivas,  a incompreensão frente às questões propostas  chamaram a minha atenção. Sem dúvida as questões postas em discussão pelo antropólogo são difíceis, mas absolutamente centrais frente à crise ecológica e cultural que o ocidente atravessa. Deveriam então, ao meu ver, ter suscitado interesse, desafios de compreensão; muito ao contrário,  os psicanalistas não se deixaram afetar minimamente pelas questões.  Vamos então às inquietantes questões do etnólogo.

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro

A reviravolta proposta pela nova antropologia

 A antropologia classicamente gira em torno da questão  ¨quem somos nós¨ e o que os outros não tem que os tornam ¨diferentes de nós¨. O que distingue o sujeito do discurso antropológico de tudo aquilo que não é ele, isto é, tudo aquilo que não é ¨nós¨: o não ocidental, o não moderno, ou o não humano? Perguntar o que nos faz diferentes dos outros – vários outros – já é uma resposta, porque o que importa não são eles, e, sim, nós. A antropologia clássica se alimentou desses grandes divisores: nós e os outros, os humanos e os animais, os ocidentais e os não ocidentais. Na antropologia clássica o antropólogo já sabe a resposta e quer ver simplesmente  ¨como a resposta dos outros se adéqua à resposta que ele já tem¨[2] Nessa antropologia, por suposto, Narciso reina soberano; é intrinsecamente narcísica porque nós ocidentais é quem, a grosso modo, temos as perguntas – porque sempre entendemos que as nossas perguntas são as perguntas que todo ser humano faz, e por aí vai.

I) Ora, o gesto inicial que funda a antropologia contemporânea é a recusa da questão: ¨o que é próprio do homem¨? ¨o que é o homem?¨ De repente parece que a antropologia percebeu a armadilha implícita nessa pergunta. Pois respondê-la é seguir repetindo que ¨o próprio do homem é não ter nada de próprio¨, que o homem se caracteriza justamente por sua indeterminação. Nas palavras de Viveiros de Castro: …¨O homem é aquele ser a quem, por chegar por último na criação, foi dado o poder de ter todos os poderes e, portanto, o homem não tem nada de próprio¨. Ora, é exatamente isto, ¨não ter nada de próprio¨ que parece dar ao homem direito ilimitado sobre as propriedades alheias. Prossegue o antropólogo: … ¨Isto é uma maneira de dizer que estamos numa crise ecológica gravíssima, que é uma crise cultural, e que surge precisamente por termos colocado demais a questão ´O que é próprio do homem?´ ou ´O que nos torna tão especiais?´ […] Essa idéia de que o próprio do homem é não ter nada de próprio é uma resposta que já tem milênios na nossa tradição ocidental, e que justifica o antropocentrismo. As idéias de ausência, da finitude, da falta, seriam como que a distinção que a espécie carrega, esse fardo, em benefício ( diriam os cínicos) do restante da criação, à maneira de uma pesada condecoração¨[3].

Ora, é com essa pergunta e com essa proposição de homem que a psicanálise trabalha, exatamente com esse homem marcado pelo negativo, perguntei-me então porque os psicanalistas convidados a comentar a palestra do professor Viveiros de Castro não discutiram essa proposição, não refutaram e/ou no limite aceitaram tal reviravolta que com certeza situa-se no âmago da própria psicanálise! Silêncio a respeito dessa questão.

Como não poderia deixar de ser a metafísica ocidental – uma metafísica especista – está na base da antropologia e foi a responsável por todos os colonialismo que pudemos inventar. Basta que chamemos a atenção para um fato: o que a metafísica ocidental clássica entende como característica do humano é muito parecido com o que a Antropologia entendia como sendo característica do ocidental por oposição ao não ocidental! De repente fica bem claro em que barco estávamos, pois não? Para Viveiros de Castro a antropologia contemporânea começa justamente quando colocamos essas diferenças em questão, ao invés de nos refugiarmos nelas e então descobrirmos (sic) o que é próprio do homem! Cito Viveiros de Castro: … ¨Contra esses grandes divisores – nós e os outros, os humanos e os animais, os ocidentais e os não ocidentais – temos de fazer o contrário: proliferar as pequenas multiplicidades. Não o narcisismo das pequenas diferenças, aquele célebre que Freud detectou, mas o que a gente poderia chamar de o ´anti-narcisismo das variações infinitesimais´. Não se trata de forma alguma, como lembrou Derrida, de se questionar isso e pregar uma abolição de fronteiras que separam os humanos dos não humanos, as pessoas das coisas, os signos do mundo etc. As fantasias fusionais não estão em questão. Trata-se de certa maneira, de tornar infinitamente complexa essa linha que separa o humano do não humano¨[4]. Vale dizer, está na hora de a Antropologia parar de se preocupar ¨com o que é humano¨ ;  melhor seria que se preocupasse em estudar as diferenças que os humanos são capazes de operar.

Não preciso insistir que os dois psicanalistas convidados a comentar a fala do Prof. Viveiros de Castro não dirão uma única palavra a respeito da ¨metafísica especista¨ e do girar que todas as ciências humanas fazem – e em particular a psicanálise – em torno do homem! A psicanálise –  que estamos agora examinando – parece não ter nada a dizer sobre isso porque, herdeira da metafísica, é um dos dispositivos contemporâneos mais importantes da atualização dessa herança. Grosso modo, o homem é lapidado pela psicanálise para continuar exercendo-se exatamente onde está: o rei da criação, e os ocidentais, os mais humanos dentre os humanos: edipianos, supergóicos, família nuclear burguesa como ápice das proposições civilizatórias!

Seria injusto porém afirmar que também a psicanálise não apresenta ruídos em relação a essas questões. Mesmo nos seus ramos clássicos – pensemos em W.R. Bion – esses ruídos estão presentes. Hoje vertentes da psicanálise  que buscam a companhia de M. Heidegger,  de G. Deleuze, já não podem ser lidas também como insinuei acima.

II) Enfrentarei uma última questão proposta pelo Prof. Viveiros de Castro e a que mais me interessa. O antropólogo contemporâneo tem a chance de virar-se para o lado e perguntar para o índio – ou seja lá quem for o outro que ele estuda – : ¨o que é o humano¨?  e isso na expectativa de que haja respostas diferentes e o que é mais excitante – perguntas diferentes.¨E que, portanto, a questão não é de encontrar as respostas que os índios (ou seja lá quem for) dão às nossas perguntas – porque sempre entendemos que as nossas perguntas são as perguntas que todo ser humano faz – mas colocar sob suspeita este pressuposto e imaginar que talvez as perguntas, elas próprias sejam outras¨[5]

Quarup

Viveiros de Castros faz então dois chamamentos para todas as Ciências Humanas, incluindo aí a Psicologia, a Psicanálise, a Sociologia – e não só para as duas concepções radicalmente antagônicas de antropologia que teceu até agora.

1) Como funcionam de maneira geral as Ciências Humanas – incluindo a Antropologia? Aplicam conceitos que são extrínsecos ao que estamos estudando. Muitos reagirão contra, digo eu, dizendo que não é bem assim, que há uma relação dialética e até mesmo uma disjunção-tensão-conflito entre teoria e prática. Talvez os grandes teóricos consigam o tempo todo operar esses deslocamentos e essa criatividade tensionada entre teoria e prática; a maioria porém  dos ¨cientistas acadêmicos¨ operam da forma como sugere Viveiros de Castro: ¨nós temos o conceito e queremos simplesmente ver como ele é preenchido¨. Na verdade, no caso da antropologia clássica, imaginamos ¨cada sociedade como que preenchendo uma forma universal – conceito – com um conteúdo particular; esquecendo que essa forma universal é o nosso conteúdo particular¨[6]. Ora, a antropologia contemporânea propõe uma mudança – e convida todas as Ciências Humanas para trabalhar na mesma direção: ¨os procedimentos que caracterizam a investigação são conceitualmente da mesma ordem que os procedimentos investigados¨. Cito Viveiros de Castro:  ¨Se os humanos são todos iguais, é preciso que a nossa investigação seja algo da mesma natureza do que estamos investigando. Não podemos afirmar que os homens são todos iguais, por um lado, e retirar isso com a outra mão. Se os humanos são todos iguais, antropólogos estudam antropólogos, psicanalistas estudam psicanalistas, e, portanto, não há onde colocar assimetria nessa investigação¨[7].

2) A antropologia contemporânea parte do princípio fundamental de que o antropólogo  não sabe de antemão quais são os problemas que caracterizam o pensamento do Outro. E enfatize-se: este não saber não é empírico. Viveiros de Castro afirma: ¨É um não saber propriamente transcendental, uma ignorância, uma nesciência constitutiva da disciplina. ¨Eu não sei o que interessa a eles¨, e não simplesmente: Eu não sei como eles respondem ao que interessa a mim¨ […] O que a segunda concepção de Antropologia coloca em relação são problemas diferentes, não um problema único e suas diferentes soluções¨[8].  Imagine – e agora sou eu provocando – se este modo de proceder se alastrasse pelas Ciências Humanas, se no seio delas este ¨não saber propriamente transcendental¨ ganhasse um lugar de honra. Um sociólogo dirigir-se-ia a uma favela sem saber, muito ignorante a respeito de quem são os favelados e o que querem. E um psicanalista também: de fato escutaria os seus pacientes a partir desse não saber transcendental, dessa ignorância constitutiva. A fala do analisando deixaria de ser uma maneira de preencher conceitos postos de antemão. Provavelmente haveria escuta!

Em seguida, o prof. Viveiros de Castro discute o ¨pensamento ameríndio¨ e o perspectivismo. Convido meus leitores a ler a conferência completa na Revista da Sociedade.

Agora quero voltar aos comentários dos psicanalistas a respeito da conferência do Prof. Viveiros de Castro e claro farei isso com uma pergunta provocativa para os meus leitores: o que os  psicanalistas escutam, eles que representam a ¨ciência da escuta¨? Ou será que o emudecimento deles, o esvaziamento de suas falas, a ligeireza de suas proposições não estão exatamente relacionadas com as críticas que Viveiros de Castro faz à Antropologia Clássica e com ela a todas as  Ciências Humanas?

1) Psicanálise e Tempo; Psicanálise e epistemologia, hoje;

É esse o título dado por um dos psicanalistas aos seus comentários a respeito da conferência do Prof. Eduardo Viveiros de Castro.

A tendência do primeiro comentador é manter-se aferroado àantropologia clássica: parece que a idéia do ¨nós¨e dos ¨outros¨ lhe é mais acessível. Parece mesmo encantado com a diferença: como se comunicar  por meio de uma diferença e o que nos distingue dos outros. Transcrevo dois pequenos trechos para que os meus leitores tenham acesso ao trauma que a leitura me proporcionou: ¨ ´Nós´ faz referência ao sujeito do discurso, não há dúvida, que, narcisicamente, coloca tudo aquilo que não é ´nós´como sendo diferente. Convenhamos que não é tarefa fácil compreender o diferente, visto que jamais poderíamos saber como o diferente se sente, do contrário seríamos o próprio diferente e a questão permaneceria a mesma, invertida apenas¨. E ainda: ¨O pensamento do prof. Viveiros convida-nos a questionar e, dentro do possível, abrir mão de nossos entraves narcísicos, ou ao menos do que for possível abrir mão nesses entraves, o que é necessário para que a humildade possa surgir e com ela o espaço para sentir e pensar livremente¨[9].  E continua: ¨Haveria algo próprio do ser humano?  O que nos distinguiria do restante da criação? – questiona o professor, ao mesmo tempo em que aponta para a necessidade de descartarmos essa questão para podermos seguir adiante, sem desconsiderarmos nossa essência, mas também sem hipocrisias narcisistas. E sem hipocrisias a fronteira se faz delgada, frágil, tênue, seja do ponto de vista dos estudos sobre o genoma, seja a partir da própria observação despreconceitualizada¨[10] e em seguida o psicanalista dá muitos exemplos de chipanzés e de macacos prego – tudo isso, claro, para a minha surpresa!

O  psicanalista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise poderia defender a antropologia clássica contra a antropologia contemporânea trazida para a discussão pelo prof. Viveiros de Castro, com certeza era um direito seu, mas era preciso que ele primeiro compreendesse a discussão, ou melhor era preciso que ele tivesse uma capacidade de escuta sustentada, talvez, na ¨ignorância constitutiva¨ proposta por Viveiros de Castro. Além de traumatizada desenvolvi uma fantasia algo persecutória durante a leitura: e se eu estivesse naquele divã, aí meu Deus do céu, o que aconteceria?!

Vou fechando não sem antes passar por algumas questões levantadas pelo psicanalista que explicitam uma  escuta algo saturada: …¨Esta complexidade relaciona-se ao que o prof. Viveiros chama de homo duplex, ou seja, temos um corpo biológico, fruto da criação e com a qual nos misturamos, mas temos ainda uma alma cultural produzida por este corpo e que se desenvolve e se define por uma certa e razoável falta. Lembrando que a certa e razoável falta precisa ser suportada para que o desenvolvimento se dê também de maneira minimamente razoável e para que as diferenças não sejam extintas¨[…] ¨Mudando a perspectiva, o prof. Viveiros nos traz ainda a visão indígena de  mundo, em um universo encantado, animado, fantasmático, onde tudo é gente, mais próximo do que conhecemos como Princípio do Prazer e menos mutantes do que nós, civilizados, quer dizer, mais criaturas da natureza e menos homo duplexNão sei se isso os torna menos complexos, mas, segundo o palestrante, é um mundo mais perigoso¨…[11]

Como já disse, parece que falta a esse psicanalista aquele ¨não saber propriamente transcedental¨, aquela ¨ignorância constitutiva¨ proposta por Viveiros de Castro! Revelar-se-iam condições para percepções novas, condições para uma escuta não saturada  trazendo à tona novas possibilidades de compreensão e não a sobreposição do muito velho: o ¨preenchimento conceitual¨ a que antes se referia o antropólogo.

2) Antropologia ataca o narcisismo

O segundo comentador se saiu muito melhor. Além de psicanalista, ele  é também antropólogo, e, então, com certeza, a discussão proposta por Viveiros de Castro lhe é mais familiar. Ele é inteligente, o segundo comentador,  e tenta aproximar rapidamente  a antropologia da psicanálise e, todavia, não se aventura a discutir a proposta de Viveiros de Castro, pois este fez uma crítica interna ao modo da antropologia clássica proceder. Ao comentador caberia acompanhar o movimento de desconstrução da própria antropologia e só então aproximar – se fosse o caso – as duas disciplinas – antropologia e psicanálise –  que sabidamente resistem ao diálogo. Cito dois trechos que deixam claro, ao meu ver, como, evitando a discussão central proposta por Viveiros de Castro, ele aproxima a antropologia da psicanálise: ¨Pressuposto básico: adotamos, nós, psicanalistas, e eles, antropólogos, pronomes pessoais de epistemologias diversas. No exercício da Psicanálise, como é notório, o campo de interesse é  o ¨eu¨ individual, o inconsciente dinâmico e as relações vinculares, incluindo, aí, uma ¨ferramenta¨ essencial para a abordagem: outro ser humano que, autorizado, dará diferentes e novas versões sobre nós mesmos. Os antropólogos, por seu lado, tratam do ¨nós¨, seres humanos agrupados em sociedade, em todas as suas múltiplas dimensões. Entretanto, fato comum às técnicas, nas duas disciplinas, é o escrutínio das diferenças como único caminho para a compreensão e desenvolvimento. Trocando em miúdos: para nos compreendermos – seres humanos, individualmente, ou em grupo, – necessitamos de um ¨outro¨ ( outro ser humano ou outro agrupamento humano); além disso – dura realidade! – este ¨outro¨ será sempre um estranho¨[12]

Cito ainda, antes de concluir, um outro trecho do comentador; nele, o autor interpreta o que seria a antropologia contemporânea: ¨Relendo algumas vezes a transcrição da palestra do Eduardo, entendo que a idéia central do texto, que se encaixaria no âmbito da filosofia da etnologia, seja propor um novo viés de observação antropológica, de um ângulo de observação ¨invertido-revertido¨, ou seja, a partir do objeto observado, e pelo avesso. Uma maneira de olhar menos investida de ¨amor próprio¨- se é que podemos assim falar -, visando reduzir as influências do observador autorreferente. Essa inversão-reversão de perspectiva teria uma equivalência metafórica com a álgebra elementar, no mesmo sentido que a expressão { -1/x}. Em psicanálise, o recurso da análise pessoal do analista ( componente do tripé essencial) contribui, sobremaneira, para a diminuição das interferências pessoais do observador sobre o que é observado¨[13].

E, então, o comentador pergunta: ¨E, em relação a nós, psicanalistas, que tipo de interesse a palestra do Eduardo poderia ter? Uma muito boa pergunta, e, todavia, a resposta está bem longe de enfrentar o problema proposto por Viveiros de Castro: …¨Na minha maneira de ver, reafirmar a importância das descobertas freudianas (narcisismo, inconsciente, transferência, etc) adaptados a outros campos de saber, num exercício de Psicanálise Aplicada¨[14].

Com certeza este divã seria, ele também, bem pouco acolhedor para mim. Uma das coisas simples que aprendi ao longo da minha já longa vida é que é um prazer, um deleite enunciar uma pergunta e sentir que o meu interlocutor pode acolhê-la, compreendê-la, às vezes não respondê-la, mas sentir que a comunicação se deu. Se isto não acontece, e não acontece repetidamente, a folie a deux rapidamente se instala.

Sinto-me agora convidada a fazer um casamento mais feliz entre a Psicanálise e o anti-humanismo. Voltarei pois a esta discussão.


[1] Volume 44, número 4, 15-26 – 2010, intitulada ¨Alteridade¨.

[2] Idem, ibidem, p. 17.

[3] Idem, ibidem, p. 16.

[4] Idem, ibidem, p. 17.

[5] Idem, ibidem, p. 18.

[6] Idem, ibidem, p. 18.

[7] Idem, ibidem, p. 18.

[8] Idem, ibidem, p. 18.

[9] Idem, ibidem, p. 27.

[10] Idem, ibidem, p. 28.

[11] Idem, ibidem, p. 29

[12] Idem, ibidem, p. 32.

[13] Idem, ibidem, p. 33.

[14] Idem, ibidem, p. 33.