Data:11/dez/2013, 14h43min
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Samir Oliveira
O antropólogo e cientista Luiz Eduardo Soares esteve em Porto Alegre nesta terça-feira (10), onde promoveu uma palestra sobre a desmilitarização da polícia na Câmara Municipal, a convite da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL). Um dos maiores especialistas em segurança pública e direitos humanos do país. Luiz Eduardo foi secretário de Segurança do Rio de Janeiro durante o governo de Anthony Garotinho — ocasião em que foi demitido pelo governador ao vivo durante entrevista para um telejornal –, e foi secretário nacional da área no governo do ex-presidente Lula (PT).
Durante o discurso para a numerosa plateia que lotou o plenário Ana Terra, o especialista explicou porque defende a desmilitarização e a unificação das polícias brasileiras. Ele entende que, constitucional e democraticamente, não existem motivos para que a polícia reproduza a estrutura organizacional do Exército. “Cartesianamente, só haveria uma hipótese que justificaria o caráter militar da polícia ostensiva: se as finalidades fossem as mesmas do Exército. Se fizermos uma leitura minimamente sistemática da Constituição, compreenderemos que o propósito da polícia é garantir direitos à cidadania e defender a legalidade. Não estamos falando de guerra”, disse.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Luiz Eduardo defendeu a aprovação da PEC 51, do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que ajudou a elaborar. O projeto desmilitariza a polícia militar, unifica as forças policiais em uma estrutura de ciclo único — ostensivo e investigativo — e unifica também as carreiras de seus servidores.
Ele informou que a proposta conta com amplo apoio nas categorias de base dos policiais civis e militares. Uma pesquisa realizada com 65 mil trabalhadores detectou que 70% deles apoiam a iniciativa. Entretanto, ele ressaltou que o projeto sofre oposição por parte de delegados e oficiais e não encontra respaldo junto ao governo federal.
Para o antropólogo, a PEC resolveria injustiças que identifica em relação aos próprios policiais. Ele considera que os policiais militares estão sujeitos a uma dura disciplina e a um rigoroso código de comportamento — que os impede até de formar organizações coletivas e emitir opiniões. Luiz Eduardo citou casos em que policiais foram presos em quartéis por pautar debates sobre mudanças na categoria.
“Eles se sentem revoltados com essa situação. Então quando lhes pedimos respeito aos direitos humanos, eles não entendem do que estamos falando. Essa não é a realidade em que vivem, não é assim que são educados”, justifica.
Além disso, ele explica que as carreiras das polícias não favorecem o crescimento profissional das categorias da base. “Quem entra na Polícia Militar, com muita sorte, pode se tornar sargento em 20 anos. Na Policia Civil, uma pessoa com 22 anos, recém formada em direito, que não entende nada de segurança pública e de gestão, pode fazer um concurso e se tornar delegado, chefiando 30 servidores que estão há mais de 20 anos na área”, resume.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Fonte de ódio entre policiais e manifestantes “está longe” dos protestos
Para Luiz Eduardo Soares, as manifestações deste ano no Brasil foram positivas. Em entrevista coletiva antes da palestra, ele disse à jornalistas que houve uma tática adotada pelos políticos e por parte da mídia para dividir os manifestantes entre os considerados bons e os considerados vândalos. Ele entende que alguns ativistas “morderam essa isca” e isso acabou dificultando a adesão da maioria da população aos protestos.
Sobre a repressão policial identificada durante os atos, ele entende que se trata de algo anterior às manifestações. “Muitas vezes a gente vê o manifestante com ódio do policial e o policial com ódio do manifestante, quando a fonte do ódio de ambos está longe dali”, disse. Para o antropólogo, as condições do conflito gerado entre ambas as partes “geram sua própria história e produzem sua própria dor”, criando “situações ardilosas” para manifestantes e policiais.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
“Estamos enjaulando jovens negros e pobres com uma voracidade feroz”
Luiz Eduardo Soares defende o fim da política de guerra às drogas e do proibicionismo em relação a substâncias atualmente consideradas ilícitas. Ele apontou que esse é um dos principais fatores responsáveis pelo crescimento da população carcerária do Brasil – a quarta maior do mundo, estimada em mais de 550 mil pessoas.
“Tínhamos 140 mil presos na metade dos anos 1990. Hoje temos 550 mil. Quem está preso? O jovem negro e pobre. Estamos enjaulando jovens negros e pobres com uma voracidade feroz”, lamentou.
O especialista sustenta que a prisão de jovens ligados ao que chama de “varejo do tráfico de drogas” é a solução mais simples encontrada por governantes e pelo aparato de segurança pública para responder às pressões da classe média e da mídia por “menos impunidade e mais segurança”. “A mídia cobra os governos baseada nos problemas da classe média, esse é o recorte”, assegura.
Segundo ele, o proibicionismo em relação às drogas e a atual formatação das forças de segurança geram enorme discriminação social e racial no país. “A proibição das drogas, conectada com nosso modelo policial, constitui um núcleo de reprodução de desigualdades e do racismo no Brasil. Não há situação em que o racismo seja mais pronunciável no país do que na segurança pública”, critica.