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“Estamos ultrapassando seis dos nove limites planetários”, alerta cientista Johan Rockström (Um Só Planeta)

O cientista sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK), é reconhecido mundialmente por ter desenvolvido a estrutura dos limites planetários

Por Naiara Bertão

Um Só Planeta — São Paulo

28/08/2025

cientista sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK),
cientista sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK), — Foto: Naiara Bertão / Um Só Planeta

O cientista sueco Johan Rockström, diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático (PIK), voltou a chamar atenção para os riscos que a humanidade corre ao avançar sobre os limites ambientais que garantem a estabilidade da Terra. Reconhecido mundialmente por ter desenvolvido a estrutura dos limites planetários em 2009, Rockström afirmou que já estamos numa situação perigosa, em que a própria sobrevivência de sociedades humanas complexas está em jogo.

O cientista participou nesta terça-feira (26) do encontro Futuro Vivo, evento organizado pela empresa de telecomunicações Vivo com o objetivo de ser um espaço de debate sobre os limites da tecnologia e de como desenvolver soluções sustentáveis para o meio ambiente.

Os limites planetários mostram exatamente os espaços seguros para um planeta estável — Foto: Divulgação/Netflix
Os limites planetários mostram exatamente os espaços seguros para um planeta estável — Foto: Divulgação/Netflix

Na palestra, ele retomou o conceito dos nove limites planetários que regulam o funcionamento da Terra para alertar a todos sobre os riscos que a humanidade corre ao ultrapassar os limites ambientais que garantem a estabilidade do planeta.

“Estamos começando a atingir o teto dos processos biofísicos que regulam a resiliência, a estabilidade e a habitabilidade da Terra”, disse em sua palestra.

“Seja em São Paulo, em Estocolmo ou em Pequim, o que acontece em diferentes partes do planeta interage e influencia a estabilidade de todo o sistema climático, da hidrologia e do suporte à vida na Terra. É por isso que precisamos definir um espaço operacional seguro para o desenvolvimento humano no planeta.”

A teoria dos limites planetários definiu estes princípios: clima, biodiversidade, uso da terra, ciclos de nitrogênio e fósforo, recursos hídricos, oceanos, poluição do ar, camada de ozônio e poluentes químicos. “O grande avanço científico não foi apenas identificá-los, mas quantificá-los”, explicou.

Segundo o cientista, a noção de que era possível explorar recursos sem limites ficou no passado. “Há 50 anos, não precisávamos disso. Hoje, ocupamos o planeta inteiro e não há mais espaço para sermos insustentáveis.”

Logo no início de sua palestra, Rockström lembrou que o planeta atravessou, nos últimos 10 mil anos, o período mais estável de sua história recente: o Holoceno. Foi nessa era que surgiram a agricultura e as civilizações humanas, sustentadas por condições climáticas e ecológicas favoráveis. “O Holoceno é o único estado do planeta que sabemos com certeza ser capaz de sustentar nossa vida. É o que eu chamo de Jardim do Éden”, afirmou.

Seca histórica ameaça valiosas colheitas na Califórnia, maior produtora de amêndoas no mundo — Foto: Justin Sullivan / Getty Images
Seca histórica ameaça valiosas colheitas na Califórnia, maior produtora de amêndoas no mundo — Foto: Justin Sullivan / Getty Images

Contudo, essa estabilidade está sendo rompida com a ascensão do Antropoceno, a era em que o ser humano é a principal força de mudança no planeta. “O sistema econômico global está no banco do motorista, superando os impactos de erupções vulcânicas, variações solares e terremotos. Essas forças naturais ainda existem, mas nós as dominamos e até as sobrepujamos.”

Para Rockström, a pressão sobre os sistemas naturais pode levar a mudanças abruptas e irreversíveis.

“O planeta é um sistema complexo e auto-adaptativo, que tem pontos de inflexão. Se empurrarmos demais, a Amazônia, a Groenlândia ou os recifes de coral podem colapsar e passar para estados que deixarão de nos sustentar. Esses pontos de virada não apenas reduzem a resiliência dos ecossistemas, mas também ameaçam diretamente economias e sociedades.”

Para o cientista, os dados não deixam dúvidas. “Estamos em uma situação perigosa. Estamos ameaçando a saúde de todo o planeta.” Ele explica que foram definidas zonas seguras, zonas de incerteza e zonas de alto risco na metodologia dos limites planetários.

“O problema é que, em 2023, já mostramos que seis desses nove limites estão sendo ultrapassados — clima, biodiversidade, mudanças no uso da terra, consumo de água doce, excesso de nitrogênio e fósforo, e a enorme carga de substâncias químicas no sistema terrestre.”

Sobrevoo do Greenpeace mostra a expansão do garimpo na terra Yanomami em 2021 — Foto: Christian Braga/Greenpeace
Sobrevoo do Greenpeace mostra a expansão do garimpo na terra Yanomami em 2021 — Foto: Christian Braga/Greenpeace

Essa constatação tem relação direta com o debate sobre políticas públicas no Brasil e no mundo. A Amazônia, por exemplo, é um dos sistemas mais próximos de um ponto de inflexão — quando mudanças irreversíveis podem ser desencadeadas. “O planeta é um sistema complexo e auto-adaptativo, que tem pontos de inflexão. Se empurrarmos demais, a Amazônia, a Groenlândia ou os recifes de coral podem colapsar e passar para estados que deixarão de nos sustentar”, alertou.

Apesar do alerta, o cientista vê na pesquisa uma ferramenta de esperança. Desde 2009, a metodologia dos limites planetários foi refinada e hoje já permite oferecer parâmetros para políticas públicas e decisões empresariais. “Hoje conseguimos oferecer à humanidade um mapa de navegação do Antropoceno. Definimos as fronteiras seguras para o futuro da vida na Terra. Isso nos dá a possibilidade de sermos responsáveis em escala planetária”, disse.

Para Rockström, reconhecer esses limites não é apenas uma questão científica, mas de sobrevivência. “Estamos ameaçando a saúde de todo o planeta. Esse é o diagnóstico da ciência, e ele deve servir como base para qualquer estratégia de desenvolvimento daqui para frente.”

A boa notícia, diz, é que já temos as soluções e já sabemos o que deve ser feito. Seguir o Acordo de Paris e buscar frear o aquecimento do planeta em 1,5ºC é primordial e, segundo ele, é possível. Mas o ritmo de mudanças precisa acelerar urgentemente.

Papel da política internacional e da COP30

A fala de Rockström chega em um momento estratégico: o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém (PA) em novembro. A conferência deve ser marcada pelo foco em florestas tropicais e na transição justa para países em desenvolvimento. O conceito dos limites planetários, cada vez mais adotado por governos e empresas, oferece um “mapa de navegação” para esse processo.

“Hoje conseguimos oferecer à humanidade um mapa de navegação do Antropoceno. Definimos as fronteiras seguras para o futuro da vida na Terra. Isso nos dá a possibilidade de sermos responsáveis em escala planetária”, disse.

Para especialistas, integrar esse tipo de ciência ao processo político será crucial para que a COP30 avance em compromissos concretos — especialmente em temas como desmatamento zero, proteção da biodiversidade e financiamento climático.

“Estamos ameaçando a saúde de todo o planeta. Esse é o diagnóstico da ciência, e ele deve servir como base para qualquer estratégia de desenvolvimento daqui para frente”, concluiu Rockström.

Economistas ainda pensam em crescimento eterno, diz José Eli da Veiga (Folha de S.Paulo)

Professor da USP defende noção de crescer decrescendo e afirma que COP30 pode ser a mais difícil de todas; leia trechos

‘Rio Comprido VIII’ (2019), monotipia de Luiz Zerbini – Pat Kilgore/Divulgação

10.mai.2025 às 7h00 – artigo original

Eduardo Sombini

Doutor em geografia pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima

Nem abandonar a ideia de crescimento econômico nem confiar nela cegamente.

José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, recorre a essa dupla negativa para sintetizar sua análise em “O Antropoceno e o Pensamento Econômico” (Editora 34), terceiro volume de sua trilogia sobre as ciências e as humanidades em um período de crise climática e transformação acelerada do planeta pela sociedade.

No livro, o intelectual revisita escolas e pensadores à margem do mainstream da economia para sustentar que a disciplina não acompanhou o avanço da fronteira do conhecimento e ainda passa ao largo, por exemplo, da teoria da evolução e da física moderna.

Em razão disso, Veiga argumenta, o pensamento econômico ignora os fluxos de energia e matéria envolvidos no processo de produção, o que faz com que economistas concebam um crescimento eterno e não se preocupem com as condições de vida das gerações futuras.

José Eli da Veiga, autor de ‘O Antropoceno e o Pensamento Econômico’, durante o seminário USP Pensa Brasil – Cecília Bastos – 4.out.23/USP Imagens

Na entrevista, o pesquisador fala sobre as ideias de crescer decrescendo e decrescer crescendo, um caminho do meio entre manter o modelo atual e as propostas de decrescimento da economia.

Veiga também discute o impasse em fóruns multilaterais dedicados à crise ambiental, como as COPs. Para ele, negociações entre as corporações e os governos responsáveis pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa teriam mais resultado que encontros anuais com a participação de mais de uma centena de países.

Leia abaixo os trechos principais da entrevista. A íntegra está disponível em áudio.

O pensamento econômico hoje

Existe uma corrente muito secundária, vista pelos economistas como uma coisa heterodoxa e estranha, a economia evolucionária. Tem uma muito forte, a economia institucional. Tem uma bem sólida, mas que não é muito reconhecida, a economia ecológica. Mas, se você perguntar como uma inteligência artificial classifica as várias correntes da economia, o risco é que nem apareçam essas que eu citei.

Porque as principais são aquelas que, no fundo, formam o currículo tradicional de um curso de economia: macro, micro, história do pensamento econômico, um pouco de história econômica. A formação de um economista é mais ou menos essa.

Será que uma humanidade —a economia não é uma ciência— precisa ser compatível com a física e com a biologia, para não falar de química e geociências? Minha tendência é dizer que é errado ser incompatível.

Tem ramos da economia que avançaram muito, principalmente aqueles afeitos à modelização matemática, mas a economia ainda hoje é absolutamente prisioneira da mecânica clássica e, principalmente, da ideia de equilíbrio. Ignora totalmente a termodinâmica, para começar. Você chega a conclusões muito diferentes a respeito de como pode ser o desenvolvimento se levar em conta ou não a termodinâmica.

O conceito de entropia

Uma das primeiras coisas com que um estudante de economia se defronta é um diagrama do fluxo circular, que explica como funciona o chamado sistema econômico. Não entra nada nem sai nada desse sistema. Ele ignora a entrada de energia —nós somos uma dádiva do Sol— e, principalmente, todos os resíduos, do outro lado, além da entropia.

O que interessa para um economista na questão da entropia? Quando se usa energia —e nós não fizemos outra coisa que procurar fontes de energia que nos dessem cada vez mais produtividade—, parte dessa energia se dissipa. Permanentemente, estamos perdendo uma boa parte da energia que mobilizamos.

A rigor, a longo prazo, você não pode pensar em crescimento econômico. Você tem que pensar que o futuro da humanidade ou o desenvolvimento vão ter que prescindir do crescimento. Essa é uma conclusão que choca um economista ortodoxo, tradicional. Para eles, é subentendido que o crescimento é uma coisa eterna.

A economia e a ética

A dicotomia entre a economia como ética e uma economia mais logística, que a gente normalmente chama de o lado engenheiro da economia, é bem antiga. Houve tentativas teóricas de dizer que a economia devia se limitar só a esse aspecto logístico e não entrar em nenhum tipo de consideração ética. Evidentemente, isso não é uma coisa que foi seguida pelos economistas, mesmo por economistas que eu classificaria como ortodoxos. Uma parte deles, ao contrário, é bem ligada em considerações éticas.

Para nós, isso é muito importante porque o aquecimento global —para não falar de todos os outros prejuízos ao meio ambiente que a gente vem causando pelo menos há uns 80 anos de forma muito intensa– coloca em questão as condições de vida das próximas gerações. Esse é um dilema ético para nós.

Resultados frustrantes das COPs

Uma das coisas chocantes é notar que a questão da camada de ozônio, que era complicadíssima, teve um arranjo de cooperação internacional que deu muito resultado. Por quê? Como foi o formato?

No início, só se juntaram os que mais eram responsáveis pelo assunto. Eram poucos países que tinham as empresas que faziam o estrago. A partir disso, paulatinamente, foram ganhando adesões à convenção. É difícil encontrar, pelo menos na área ambiental, outra convenção ou outro tratado que tenha tido tanto sucesso.

Quando, em 1988, se criou o IPCC, houve muita pressa, porque a Rio-92 estava marcada e ia ser uma coisa muito importante. Mais importante que mera pressa, havia a conjuntura internacional geopolítica desse período. Ainda se vivia muito daquele entusiasmo e otimismo que surgiu a partir da queda da União Soviética. Hoje, olhando com a facilidade de estar distante disso, parece uma coisa infantil imaginar que você poderia fazer uma assembleia anual de todos os países do mundo e chegar a algum tipo de decisão.

A Convenção do Clima criou uma arena para que houvesse disputas políticas das mais variadas. No início, era sempre o Sul querendo dizer que a culpa era do Norte e que eles tinham que pagar. Depois, foram encontrando algumas saídas e, no famoso Acordo de Paris de 2015, a ideia é que cada país vai determinar ele mesmo qual é a contribuição que pode dar. Isso foi um grande avanço.

Neutralidade de carbono

No meio disso, com um grupo de Oxford liderando, cientistas começaram a levantar a ideia de que existem emissões que podem ser, de certa forma, abatidas —quando, por exemplo, uma área desmatada é restaurada— e isso levou à ideia de compensação de carbono.

Foi um tremendo desserviço. Quer dizer, tinha um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que muitas empresas que olhavam para a questão do aquecimento global e viam sempre como um sacrifício ter que reduzir emissões, de repente, falaram: “Bom, vamos também poder abater aquilo que a gente faz de positivo”. Isso deu um certo incentivo para que elas não simplesmente banissem a ideia do aquecimento global.

Por outro lado, as empresas que mais emitem acharam o máximo. “Comprar uns créditos de carbono do pessoal que restaura na Amazônia, se a gente for muito pressionado, senão vamos continuar emitindo”. O resultado? É só olhar o que aconteceu.

Do Acordo de Paris para cá, as emissões de CO2 equivalente não pararam de aumentar, em um ritmo que é difícil imaginar se seria diferente. O impacto dos créditos de carbono nem começou a fazer cócegas por enquanto. Conheço muitos colegas que acreditam que, por volta de 2050, haja neutralidade de carbono –quer dizer, que o aquecimento global vai continuar, mas que as emissões estariam sendo mais ou menos integralmente abatidas por esses descontos.

Quando olho os números, acho que o máximo que se pode dizer é que talvez seja um problema que tenha solução neste século, mas não vai ser desse jeito, com essa convenção.

Um novo modelo para as COPs

Do meu ponto de vista, o que pode melhor acontecer é que, em algum momento, esse mesmo sistema de COPs descubra que é preciso reconsiderar a própria convenção. Hoje, a gente sabe que 80% das emissões saem de 57 empresas que estão em 34 países.

Se você juntasse esses 34 países em vez de juntar mais de cem uma vez por ano, eles não demorariam para encontrar uma maneira de se comprometer com um esquema de redução. Por exemplo, o chamado “cap and trade”: você fixa uma meta de redução das emissões para o ano que vem e as empresas que tiverem conseguido atingir essa meta recebem créditos que poderão ser vendidos para aquelas que ainda não conseguiram. Um esquema desse tipo é o que funciona no mercado de carbono europeu.

Aos poucos, você teria muito mais resultados se o arranjo fosse só com esses 34 países ou essas 57 empresas —ou a parte deles que topasse. Se a convenção não fosse abolida, as COPs poderiam começar a ser reunidas de cinco em cinco anos. É um desperdício de tudo, de dinheiro, de energia. Essas COPs são uma coisa assustadora.

Expectativas para a COP30

Do ponto de vista das negociações diplomáticas, acho que vai ser praticamente mais do mesmo. Sempre aparece alguma coisa que você pode usar para dizer que foi um avanço, mas, no frigir dos ovos, não vai ter nada de significativo nesse plano.

Só que surgiu uma novidade muito importante. No discurso do Lula na Assembleia Geral da ONU, ele fez a sugestão de que nós fizéssemos um balanço ético global.

A ideia é que o balanço seja feito a partir do momento em que todos os países apresentem os seus compromissos nacionalmente determinados, os NDCs, e pouquíssimos países, por enquanto, apresentaram. Vai ficar muito em cima da COP, em novembro, que se terá esse conjunto e se poderá começar a fazer esse balanço.

Não vai ser exatamente na COP, mas, com isso, a COP poderá ter desencadeado na sociedade civil uma dinâmica que ainda não existe: a sociedade civil mundial se mobilizar em torno desse balanço ético global e isso gerar uma forma de maior responsabilização e pressão sobre o conjunto dos países. Se eu não estiver muito enganado, vai acontecer algo de muito positivo, mas meio que fora da COP em si, que virou uma espécie de feira anual de lobistas.

Não vai ser muito diferente desta vez —e com conflitos. Tem tanta gente na Amazônia e tantas tendências da sociedade civil muito mobilizadas em torno disso que é provável que seja, de todas as 30, a mais difícil de conduzir.

Crescer decrescendo

Considero essa ideia uma espécie de ovo de Colombo, porque fica um debate entre os decrescentistas e aqueles que dizem: “Olha a fórmula que funcionou até hoje. Você terá população em queda, educação e inovações institucionais e tecnológicas continuando. Os problemas ambientais meio que se resolvem pelos preços. Não tem que ficar discutindo se tem que ter ou não crescimento. Quanto mais crescer, melhor”.

No entanto, quando você para para pensar em termos práticos, tem coisas que não podem mais crescer e tem outras que são promissoras e que precisam ter espaço para crescer. Não se trata de dizer, para quem está com a responsabilidade da política econômica, que deva pisar no acelerador ou no freio do crescimento. Ao contrário.

Tudo o que emite e queima energia fóssil demais, o ideal é que decresça. As energias renováveis precisam crescer. Estou falando do terreno da energia, mas você pode encontrar exemplos em todos os terrenos. É permanente esse caminho do meio.

Tem uma ideia que eu procuro ressaltar no fim do livro: o fundamental é desacoplar. Este é o verbo-chave da mensagem que a gente pode tirar de uma análise sobre o Antropoceno. Desacoplar, fundamentalmente, significa que tenho que procurar ao máximo possível estimular as atividades que usem menos energias fósseis e que, portanto, emitam menos. Não é o único desacoplamento, mas é o principal.

A viabilidade política da ideia

Na conjuntura atual, diria que é uma inviabilidade. O principal sinal disso é o Trump, mas não está sendo assim na China e a União Europeia está na vanguarda. Para construir a ideia, não posso condicioná-lo ao fato de a agenda ser ou não ser realista.

Se não for, eu estiver errado e essa conjuntura extremamente negativa perdurar, pior para vocês que estarão vivos [risos].

Gestora ambiental de Roraima recebe prêmio de ‘Cientista Indígena do Brasil’ por atuação sobre crise climática (G1)

Sineia Bezerra do Vale, indígena do povo Wapichana, atua há ao menos três décadas com discussões sobre a emergência do clima e defende que cientistas incluam as experiências dos povos tradicionais nos estudos sobre o assunto.

Por Valéria Oliveira, g1 RR — Boa Vista

27/05/2024 06h01  Atualizado há 4 meses

Sineia Bezerra do Vale, lidernaça indígena do povo Wapichana, ao receber o prêmio "Cientista indígena do Brasil", em São Paulo — Foto: Patricia Zuppi/Rede RCA/Cristiane Júlião/Divulvação

Sineia Bezerra do Vale, lidernaça indígena do povo Wapichana, ao receber o prêmio “Cientista indígena do Brasil”, em São Paulo — Foto: Patricia Zuppi/Rede RCA/Cristiane Júlião/Divulvação

Referência em Roraima por estudos sobre a crise climática em comunidades indígenas, a gestora ambiental Sineia Bezerra do Vale agora também é “cientista indígena do Brasil” reconhecida pelo Planetary Guardians, iniciativa que discute a emergência do clima em todo o mundo e tem como foco restaurar a estabilidade da Terra.

Indígena do povo Wapichana, Sineia do Vale recebeu o título no último dia 25 em São Paulo, no mesmo evento em que o cientista brasileiro Carlos Nobre, referência global nos efeitos das mudanças climáticas na Amazônia, foi anunciado com novo membro dos Planetary Guardians – guardiões planetários, em português.

Sineia do Vale tem como principal atuação o foco sobre a crise do clima, que impacta em consequências devastadoras em todo o mundo. Foi dela o primeiro estudo ambiental sobre as transformações do clima ao longo dos anos na vida dos povos tradicionais em Roraima.

Ao receber o prêmio de “cientista indígena do Brasil” das mãos de Carlos Nobre, a defensora ambiental destacou que quando se trata da crise climática, a ciência também precisa levar em conta a experiência de vida que os indígenas vivenciam no dia a dia – discurso que ela sempre defende nos debates sobre o assunto.

“Esse é um momento muito importante para os povos indígenas. Neste momento em que a gente se coloca junto com a ciência que chamamos de ciência universal, a ciência indígena tem uma importância tanto quanto a que os cientistas traduzem para nós, principalmente na questão do clima”, disse Sineia do Vale.

Sineia do Vale (terceira mulher da direira para a esquerda) atua há anos com foco na crise climática e os povos indígenas — Foto: Patricia Zuppi/Rede RCA/Cristiane Júlião/Divulvação

Sineia do Vale (terceira mulher da direira para a esquerda) atua há anos com foco na crise climática e os povos indígenas — Foto: Patricia Zuppi/Rede RCA/Cristiane Júlião/Divulvação

O estudo inédito comandado por Sineia foi o “Amazad Pana’ Adinham: percepção das comunidades indígenas sobre as mudanças climáticas“, relacionado à região da Serra da Lua, em Roraima. A publicação é considerada referência mundial quando se trata da emergência climática e povos tradicionais.

No evento em São Paulo, ela exemplificou como a crise climática é percebida nas comunidades. “Os indígenas já colocaram em seus planos de enfrentamento às mudanças climáticas que as águas já aqueceram, que os peixes já sumiram e que não estamos mais vivendo o período de adaptação, mas o de crise climática.”

“Precisamos de resposta rápidas. Não podemos mais deixar que os países não cumpram seus acordos porque à medida que o globo terrestre vai aquecendo, os povos indígenas sofrem nas suas terras com grandes catástrofes ambientais”, destacou a gestora.

A indicação para que Sineia recebesse o título ocorreu após indicação da ativista ambiental e geógrafa Hindou Oumarou, que é co-presidente do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima e presidente do Fórum Permanente da ONU sobre questões indígenas chadiana.

Além da roraimense, também receberam a honraria de “cientista indígena do Brasil”: as antropólogas indígenas Braulina Baniwa e Cristiane Julião, do povo Pankararu, confundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), e o antropólogo e escritor Francisco Apurinã, que pesquisa mudanças ecológicas na perspectiva indígena pela Universidade de Helsinki, na Finlândia.

Mais sobre Sineia do Vale

Sineia do Vale participa desde 2011 da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP, em inglês, e promove junto às lideranças indígenas a avaliação climática a partir do conhecimento ancestral.

Ela também participa ativamente das discussões internacionais sobre mudanças climáticas há mais de 20 anos, entre elas, a Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas – chamada de SB60, que ocorre todos os anos em Bonn, na Alemanha. Este ano, a COP29 ocorrerá de 11 a 24 de novembro em Baku, capital do Azerbaijão.

Em 2021, Sineia foi a única brasileira a participar da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, evento convocado pelo então presidente estadunidense Joe Biden e que marcou a volta dos EUA nas discussões internacionais sobre o clima.

No ano passado, ela foi recebeu o “Troféu Romy – Mulheres do Ano“, honraria concedida a mulheres que se destacaram em suas áreas de atuação em 2023.

Gestora ambiental de formação, Sineia cursa mestrado em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais na Universidade de Brasília (UnB), coordena o Departamento de Gestão Territorial e Ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR), e integra a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), focada na agenda indígena e a implementação de ações em nível local.

Brasil propõe nova diferenciação entre países na COP20 (ClimaCom)

11/12/2014

Efetividade da proposta é posta em discussão por especialistas: “é uma colagem entre o óbvio e o absurdo” 

Por Meghie Rodrigues

contribuição do Brasil para a 20ª Conferência das Partes (COP20), que acontece em Lima, Peru, até o próximo dia 12, propõe repensar o conceito de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

A intenção é refinar a divisão dos 190 países-membros da UNFCCC tal como estabelecida pelo Protocolo de Quioto: em vez de apenas os países do Anexo I (membros da OCDE e países pertencentes à ex-União Soviética) terem responsabilidades legalmente vinculantes sobre reduções de emissões de gases provocadores do efeito estufa, os países emergentes (como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, os BRICS) também assumiriam responsabilidades legais sobre as medidas. A proposta, que responde às demandas do Anexo I de que os países emergentes devem assumir uma parcela dos custos advindos dos cortes de emissões, implicaria em um agrupamento menos monolítico entre países em desenvolvimento, ou pertencentes ao Anexo II.

A divisão atual foi traçada na década de 1990 em decorrência do Protocolo de Quioto (que previa reduções de emissões de dióxido de carbono na atmosfera em 5,2% entre 2008 e 2012, em relação aos níveis de 1990), mas coloca grandes emissores como China e Brasil na mesma categoria de países menores e mais vulneráveis como os Estados-ilha do Oceano Pacífico.

A proposição chega em um momento em que a UNFCCC prepara um documento de força legal a ser proposto em Paris em dezembro do ano que vem, durante a COP21. O novo documento passará a vigorar a partir de 2020, quando cessa a validade da extensão ao Protocolo de Quioto, emenda feita em 2012, durante a COP18 em Doha, no Qatar. O objetivo é levar adiante a meta de conter o aumento da temperatura global para até 2ºC em relação ao período pré-industrial. Apesar de os países-membros da UNFCCC ainda não terem chegado a um acordo quanto ao texto que servirá como base do documento a ser apresentado em Paris, a proposta feita pela delegação brasileira – chefiada pelo subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores, José Antonio Marcondes de Carvalho –, parece ter sido bem recebida na Conferência na capital peruana.

No documento oficial enviado à UNFCCC, o Brasil propõe o que chama de “diferenciação concêntrica”, que divide os países em três níveis, de acordo com seu nível de desenvolvimento e histórico de emissões de gases de efeito estufa. Isto definiria suas responsabilidades e ações a serem tomadas. No círculo mais interno estariam os países do Anexo I, com o compromisso de cumprir uma limitação absoluta de emissões ou um alvo de reduções em comparação a um determinado ano-base. No círculo intermediário estariam países emergentes e em desenvolvimento, que poderiam assumir os compromissos dos países do Anexo I ou estabelecer metas de redução em relação à sua projeção de emissões, proporcionais ao PIB ou com determinação cortes de emissão per capita. Por fim, no círculo mais exterior estariam os países menos desenvolvidos e mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como os Estados-ilha: estes não precisariam realizar grandes cortes, já que dispõem de poucos recursos e não são grandes emissores de gases de efeito estufa na atmosfera.

“Entre o óbvio e o absurdo”

Para Márcio Santilli, filósofo e coordenador do Instituto Socioambiental (ISA), “ainda não é hora de fazer grandes análises ou categorizações, mas sim o caso de fazer proposições concretas”. Segundo ele, a tripartição proposta pelo Brasil perpetua a diferença de posições políticas entre grandes emissores emergentes e países do Anexo I. “É algo que precisa ter uma tradução mais clara, se com isso se pretende objetivamente reforçar a responsabilidade dos emergentes – que são relevantes no conjunto das emissões globais – ou se, pelo contrário, é uma jogada retórica para que o bloco do meio, os emergentes, não sejam obrigados a assumir metas de redução imediatas”, ressalta.

O que pode estar havendo neste processo, de acordo com o filósofo, é “uma colagem entre o óbvio e o absurdo”: o óbvio no sentido de se reconhecer a diferença das responsabilidades entre países emergentes que são grandes emissores e os “mais de uma centena de países quase irrelevantes no volume global de emissões”. O absurdo seria elaborar uma meta de corte de emissões na ausência da discussão sobre política energética, ou seja, traçar uma meta sem um plano claro sobre como chegar lá.

Países como China e Estados Unidos (que assinaram um acordo em novembro, em que os EUA propõem reduzir 28% das emissões de gases de efeito estufa em até 11 anos, e a China, por sua vez, cortar as emissões até 2030), propuseram projetar, para além de 2020, processos que já estão ocorrendo em seus países. Em decorrência de políticas econômicas e energéticas já em curso, eles conseguem uma margem para negociar o cumprimento dessas metas. O coordenador do ISA observa, entretanto, que essas são metas modestas, já que EUA poderiam propor cortes maiores e a China, prazos mais curtos. “Ou seja, esse acordo entre China e EUA tem uma folga para eles negociarem – para cobrarem compromissos de outros países em troca de darem mais um passo”, observa.

Oficina do grupo multiTÃO (Labjor-Unicamp) realizada com o grupo de bordadeiras “Entrefios Memórias” do Casarão do Barão, em Campinas – SP

Responsabilidades

Assumir responsabilidades é, também, um tema recorrente nestas rodadas de negociação sobre políticas climáticas em âmbito global, onde reafirmam-se noções acerca da soberania e economia dos países participantes Soberania no sentido de que, não abraçar estes compromissos compartilhados, seria não assumir uma postura globalista em relação à governança climática. Já no caso da economia, seria a reafirmação do privilégio de fontes poluentes em detrimento de fontes alternativas de geração de energia. Eduardo Viola, professor da Universidade de Brasília (UnB), em artigo publicado em 2002, lembra que a posição contrária dos Estados Unidos em relação ao corte de emissões de dióxido de carbono na década de 1990 (o que levou o Senado dos EUA a barrar a ratificação do Protocolo de Quioto), se deu porque os EUA queriam que os “países emergentes assumissem compromissos de diminuir sua taxa de crescimento futuro de emissões”, além de demarcar uma posição clara em favor da manutenção do padrão de vida norte-americano.

O Brasil já trabalha no plano prático no sentido de assumir e compartilhar responsabilidades, tal como invocado pelos EUA. De acordo com Márcio Santilli, ainda que no ano passado as emissões de CO2 tenham aumentado em 7,8% em relação a 2012, o fato de ter feito reduções expressivas entre 2006 e 2012 mostra que o país tem capacidade de realizar cortes mais ambiciosos. No entanto, ele observa que “se queremos chegar a um acordo até o fim do ano que vem, é indispensável que alguma estratégia exista, e que o Brasil possa formular uma proposta de meta que garanta um sentido correto, que é o de redução de emissões – que assegure esse horizonte concreto, palpável – para que possamos cumprir o compromisso que vamos assumir, seja lá qual for”.