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>Clima: Sociedade civil questiona o Banco Mundial

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16/09/2009 – 10h09 – Envolverde/IPS
Por Mary Tharin, da IPS

Washington, 16/09/2009 – O Banco Mundial exortou ontem os paises ricos a liderarem os esforços para reduzir as emissões de carbono, mas organizações da sociedade civil questionam o papel da instituição na luta contra a mudança climática. O “Informe sobre o desenvolvimento mundial 2010: Desenvolvimento e mudança climática”, apresentado nesta terça-feira pelo Banco, tem potencial para afetar as negociações da 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em dezembro em Copenhague.

“Os paises em desenvolvimento se veem afetados pela mudança climática de forma desproporcional; trata-se de uma crise pela qual não são responsáveis e para a qual são os menos preparados. Nesse sentido, é de vital importância conseguir um acordo eqüitativo em Copenhague”, disse o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, no comunicado de imprensa que acompanha o informe. Por sua vez, o conselheiro sobre mudança climática da Oxfam Internacional, Antonio Hill, reiterou a necessidade de vincular o desenvolvimento a uma política efetiva sobre a mudança climática. Hill elogiou o documento do Banco por abordar “como a resposta mundial à mudança climática pode fortalecer, em lugar de enfraquecer, o desenvolvimento nos paises mais pobres”.

Karen Orenstein, coordenadora de campanhas financeiras internacionais na organização Amigos da Terra, concordou que os países industrializados devem se comprometer mais com a redução das emissões contaminantes. “O que as nações industrializadas colocam atualmente sobre a mesa é completamente inadequado para fazer frente à mudança climática”, disse à IPS. As negociações prévias à reunião de Copenhague estão caracterizadas pelo conflito entre paises ricos e pobres, cada parte reclamando que a outra assuma maiores objetivos de redução das emissões.

As nações em desenvolvimento afirmam que as industrializadas têm a obrigação histórica de assumir a responsabilidade, por serem as que mais contribuíram com o aquecimento do planeta. Por sua vez, os paises ricos dizem que a mitigação é mais rentável nas nações menos adiantadas, e que, portanto, os esforços para reverter a tendência deveriam começar por ali.

Em seu informe o Banco Mundial recomenda um pacto que permita aos paises do Sul realizar mudanças na política nacional em lugar de se comprometerem com objetivos rígidos de redução de emissões. Segundo Elliot Diringer, vice-presidente de estratégias internacionais no Centro Pew sobre Mudança Climática Global, este enfoque mais flexível permitiria aos paises do Sul “apresentar compromissos que se ajustem melhor às suas agendas de desenvolvimento”. Tais opções podem incluir objetivos em matéria de energias renováveis ou redução de desmatamento.

Atualmente, o Banco opera como agente de boa par te das finanças climáticas do mundo, e continua expandindo esta capacidade. Porem, organizações ambientalistas criticam o papel que desempenha na mitigação dos efeitos do aquecimento global. “O Banco Mundial é a instituição equivocada para manejar as finanças climáticas”, afirmou Orenstein. Muitos líderes do mundo em desenvolvimento exigem a criação de uma nova instituição. Administrada pela Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, para financiar iniciativas neste campo.

“Os paises em desenvolvimento têm boas razoes para desconfiar de instituições financeiras internacionais como o Banco Mundial, e não querem que sejam intermediárias deste acordo climático”, acrescentou Orenstein. O informe do Banco promove o fortalecimento dos mecanismos financeiros existentes em relação ao clima que atualmente são manejados pela instituição, entre eles o muito controverso Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Previsto no Protocolo de Kyoto, o MDL é um instrumento pelo qual as nações ricas podem superar suas cotas de emissões de gás estufa se financiarem projetos para reduzi-las nos paises em desenvolvimento. Mas, cerca de dois terços dos projetos que recebem financiamento no contexto do MDL não contribuem realmente para a redução das emissões mundiais desses gases, segundo a cientista climática Payal Parekh, da organização não-governamental International Rivers.

Estes projetos carecem de “adicionalidade”, ou provas de que o investimento pelo MDL é um requisito para a redução de emissões. As evidências mostram que muitos projetos financiados por esse instrumento, como as grandes hidrelétricas na china, teriam sido construídos do mesmo jeito, inclusive sem o aporte do Mecanismo. O Banco Mundial pressiona para que o MDL seja reformado e ampliado, mas Parekh discorda. “Se o conceito fundamental de um programa é defeituoso, a reforma é impossível”, disse à IPS. Segundo Parekh, o MDL não conseguir reduzir as emissões mundiais, proporcionando em troca “subsídios extras para projetos que de qualquer maneira seriam realizados”.

O informe do Banco também destaca a importância de um adequado manejo de recursos, já que a mudança climática torna mais escassas a água, a terra e a energia. O estudo recomenda implementar métodos de agricultura sustentável, incluída a “eco-agricultura”, ou reservar terras para promover a biodiversidade. Alem disso, propõe três estratégias políticas principais para promover a conservação energética: aumentos no preço da energia, incentivos para que as empresas públicas aumentem sua eficiência e transferência de tecnologias limpas para o mundo em desenvolvimento.

Talvez, o aspecto mais controverso do debate sobre os recursos seja a posição do Banco sobre a conservação da água. O informe defende dois projetos de represas como maneira de fornecer energia hidrelétrica e proteger contra secas e inundações. Porém, os impactos sociais e ambientais negativos dos projetos hidrelétricos em grande escala ficam expostos caso após caso, segundo Orenstein. Alem disso, as grandes represas em zonas tropicais produzem quantidades significativas de metano, um dos gases causadores do efeito estufa.

Um estudo feito no Brasil concluiu que 52 mil grandes represas do mundo contribuem com cerca de 4% do aquecimento da Terra induzido pelo ser humano. Isto converte as represas em “uma fonte importante de contaminação (que contribui) para a mudança climática”, disse o diretor-executivo da International Rivers, Patrick McCully. O informe tem um importante papel na busca de uma solução global para a mudança climática, afirmou Diringer. “O documento é um reflexo do que agora se compreende amplamente: que o clima e o desenvolvimento estão intrinsecamente ligados e que devemos abordar os dois temas juntos, em lugar de optar entre ambos”, disse Diringer as IPS.

Entretanto, persiste a dúvida quanto ao Banco Mundial ser a instituição adequada para tratar destes temas vitais. É necessário que a instituição financeira analise como ela própria “está contribuindo com a mudança climática, antes de poder ser parte da solução”, disse Orenstein. IPS/Envolverde

>Irracional e sintomático

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“NÃO HÁ COMO FAZER DIFERENTE”, DIZ A IDEOLOGIA QUE SOBREVIVE À CRISE FINANCEIRA E FUNCIONA COMO UMA NEUROSE, “UMA VERDADEIRA COMPULSÃO À REPETIÇÃO”, AFIRMA TALES AB’SÁBER”

Na semana em que o Lehman Brothers ruiu, recebi uma pessoa em meu consultório que sofria de um modo especialmente ligado ao espírito do mundo

TALES AB’SÁBER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Caderno Mais! – 13/09/2009

Lembrar é poder. Lembrar é poder se livrar do impensado da repetição. Mas, de fato, elaborar e transformar o mal é um ato de coragem pessoal e, por que não dizer, social.

No encerramento do fórum econômico mundial em Davos [Suíça], em janeiro de 2008, a então secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, declarou satisfeita que os Estados Unidos continuariam nos próximos tempos a puxar a economia mundial.

Aquela arrogância feliz, quase inconsequente, se ligava nitidamente ao movimento, ao longo do ano-catástrofe de 2008, de denegação sistemática próprio às autoridades financeiras americanas, do secretário do Tesouro, Henry Paulson, e do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, em relação à gravidade da crise em que o país, e nosso mundo, já estavam bem instalados.

Tudo se passou como se a realidade dos números, dos erros e dos resultados da alucinose financeira de décadas simplesmente não pudesse ser nomeada ou pensada, mas, ao contrário, pudesse ser transformada magicamente, por meio de um mantra obsessivo diário que já perdera toda serventia erótica, ato de fé vazio, próprio do fanático religioso, que tenta pular sobre o real com um gesto simples de “wishful thinking”, como dizem os próprios americanos.

A responsabilidade, dos responsáveis, de não agravar a crise econômica tornou-se, a partir de um certo ponto irreversível da história, a irresponsabilidade de negá-la obsessivamente. Vimos então um interessante espetáculo político e estético, o real confrontando a ideologia do Homo mercatus de modo irônico até o mais nítido patético.

Não deixou de ser divertido observarmos a realidade negando a cada semana, e a partir de um momento histórico, a cada dia, os senhores e responsáveis pela maior economia do mundo, de modo a abrir um fosso cada vez maior sob os seus pés, e sobre nossas cabeças, até a queda geral dos grandes bancos e de setores inteiros da economia no abismo.

O abismo era o da distância entre um real das contas privadas malfeitas, que atingiam ironicamente o sistema econômico total, e um sistema ideológico, simplesmente irracional e sintomático, o da liberdade total ao mercado, que havia muito não se mantinha de pé.

Fim de uma era

Como todos sabemos, a partir do segundo semestre de 2008, a economia americana, aquela mesma que continuaria a alavancar o mundo indefinidamente, viu seu PIB cair sucessivamente durante quatro trimestres consecutivos, acumulando inimagináveis perdas de quase 15% até hoje, em um resultado nunca visto desde que o índice passou a ser medido, em 1947.

Do ponto de vista humano, no mundo da vida -o que verdadeiramente importa-, esses números abstratos significaram nos EUA a perda de centenas de milhares de postos de trabalho, a quebra de empresas que vão de bancos tradicionais a arquitradicionais montadoras de veículos, o virtual fim de vida econômica para toda uma parte da população ou mesmo uma geração, a mudança total na estrutura do consumo, que passou dos excessos do consumo conspícuo e de luxo a um novo estado de sobrevivência.

Uma era histórica cíclica, que podemos remeter ao grito de guerra de Reagan e Thatcher nos longínquos anos 80, de todo poder ao mercado, se encerrava bruscamente, de modo melancólico e terrível, confirmando as visões dos críticos à cultura turbinada do dinheiro financeirizado e revelando, ao fim das contas e dos imensos processos de manipulação do poder, a vida sob o capitalismo hiperdesenvolvido como um risco iminente a todos, até mesmo ao próprio sistema.

O mais curioso, e que evoca problemas de valor psicanalítico, é que, no encontro econômico de Davos em janeiro de 2009, quando o mundo já estava totalmente instalado na crise -em grande parte gestada por décadas na ideologia daquele próprio espaço-, empresários, banqueiros e políticos, que não estavam naquele momento na bancarrota ou às voltas com a Justiça, tentaram um esforço hermenêutico retrospectivo diante da grande angústia e do mal-estar real, de pensar como poderiam ter pensado, e agido, diferentemente nos últimos tempos que levaram à nova grande recessão.

O resultado foi interessantemente melancólico: em um raro momento de honestidade, mas reconfirmando o prazer da repetição do seu sistema alucinatório de gozo, concluiu-se que não haveria como fazer diferente, e, em caso semelhante, todos agiriam do mesmo modo, tomariam as mesmas decisões.

Catástrofe da razão

Por um segundo a falsa consciência da racionalidade ideologicamente infinita do homem de mercado se deparou com o seu próprio limite, interior.

Tal racionalidade levaria, mais uma vez e ainda mais outra, e mais outra, a uma nova ordem catastrófica, contra os próprios interesses conscientes de todos. Pela primeira vez o capitalismo apareceu para si mesmo como o que ele é: um sistema tão produtivo quanto destrutivo, virtualmente autodestrutivo.

Não há definição melhor, não faltando nem mesmo o índice de angústia e de sofrimento de um sintoma psicanalítico, o que implica a análise de um elemento não reconhecido na ordem da consciência: toda minha prática resulta no contrário do que desejo, e meu mundo consciente, e sua equação de defesas ideológicas, se tornam o avesso do que deveriam ser.

Podemos dizer que um elemento inconsciente passou a habitar definitivamente a história do mercado, que, como certa vez [Theodor] Adorno falou a respeito do nazismo, também necessita da psicanálise para ser pensado.

Esta é a grandiosa máquina do mundo, que, mais ou menos como pensava Marx, no mesmo movimento em que se reproduz, também descarrila. Talvez seja interessante observarmos como ela funciona, na dinâmica do mero e mínimo ponteiro dos segundos, na vida de um consultório psicanalítico de hoje.

Na semana em que a sólida ideologia neoliberal de um quarto de século ruiu junto com os sólidos bancos Merrill Lynch e Lehman Brothers e com a megasseguradora AIG, eu pude receber uma pessoa em meu consultório que sofria de um modo especialmente ligado ao espírito do mundo.

Pequena inconveniência

Posso garantir que aquele ser humano tinha contato profissional o suficiente com o mercado financeiro e particularmente com o setor diretamente envolvido na espetacular crise que virou a excitação mundial daquele período, o dos fundos de hedge, o mercado de derivativos. Foi muito interessante e curioso vê-lo falar muito tranquilamente, ao longo de sua hora analítica, de seus planos futuros de férias, o que já vinha pensando havia semanas, enquanto o seu próprio mundo estava simplesmente acabando, diante do olhar de todos.

Quanto a essa pequena inconveniência da realidade, nem uma palavra, nem mesmo um sinal de angústia. Exatamente como os senhores do grande mundo do dinheiro, o pequeno operador, que recebia a sua cota local de grandes lucros hiperinflados, não podia pensar, de nenhum modo, da angústia à reflexão, na própria ordem de catástrofe de seu mundo, sobre a sua realidade.

Era como se a realidade não existisse. Além da radical instabilidade com a vida real, o capitalismo contemporâneo exige adesão ideológica sem reflexão ou ambivalência a sua forma mentirosa.

Aquela pessoa radicalmente aplainada na ideologia fixa de seu tempo simplesmente se humanizou quando pôde perceber, em um único movimento, que o mundo que se autodestruía bem a sua frente era o mesmo que funcionava para ela de modo impensável, o mesmo que a impedia de pensar o seu próprio mundo, e que esses dois efeitos -como Condoleezza Rice, Ben Bernanke e Henry Paulson já haviam ensinado- eram de fato um só.

Nos meses que se seguiram ao crash das contas malfeitas da razão autorregulada do mercado, vimos o novo lance fantástico do sistema: o Estado chamado a despejar bilhões e bilhões na economia, para meramente repor o sistema da acumulação privada de dinheiro e poder.

Não há dúvidas de que algo não está podendo ser pensado nessa verdadeira compulsão à repetição, como dizia o velho Freud, das coisas capitalistas.

O capitalismo vai se tornando, bem diante de nossos olhos, o nosso inconsciente social e economicamente constituído.

Afinal, e o terremoto histórico deixa isso bem claro, “eles não sabem o que fazem, mas o fazem assim mesmo”.


TALES A.M. AB’SÁBER é psicanalista e autor de “O Sonhar Restaurado – Formas do Sonhar em Bion, Winnicott e Freud” (Ed. 34), entre outros livros.