Arquivo da tag: Grupo de Trabalho do Antropoceno

Transição para energias renováveis também terá impacto no planeta, diz cientista (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Lucas Lacerda

9.mai.2023 às 18h54


A busca por energias mais limpas, um dos principais desafios para reduzir emissões de gases-estufa e enfrentar as mudanças climáticas, também vai custar recursos ao planeta. Oito bilhões de seres humanos detêm, juntos, um poder de impacto que vai deixar as marcas dessa decisão —seja ela tomada ou não.

É o que afirma o geólogo Colin Waters, secretário do AWG, sigla em inglês para Grupo de Trabalho do Antropoceno. Formado por 40 cientistas, o coletivo se prepara para apresentar, em junho, uma proposta para o “golden spike”, ponto em algum lugar da Terra que servirá de base para a definição do Antropoceno, a chamada “época dos humanos”.

Para os cientistas do AWG, a nova época geológica da Terra é marcada pela atividade humana, com a expansão da produção industrial e a elevação do consumo em cadeia global. Seu ponto de início é debatido desde 2009 pelos pesquisadores do grupo.

Waters, professor na Universidade de Leicester, no Reino Unido, tem sido o porta-voz do AWG para traduzir as implicações de uma nova época no planeta e por que isso é importante. Nesta semana, ele visita o Brasil pela primeira vez, para participar da reunião magna de 2023 da Academia Brasileira de Ciências, no Rio de Janeiro.

O evento acontece no Museu do Amanhã, com entrada grátis. Waters dará palestra às 11h30 desta quarta (10).

“Nosso pequeno grupo de trabalho sabe que há evidência científica [do Antropoceno]. Tudo que podemos fazer é usar isso para guiar nossas decisões. Como isso vai ser usado pelas pessoas é papel de políticos”, afirma Waters, em entrevista exclusiva à Folha. “Mas você começa a se perguntar: como lidamos com esse planeta que está mudando?”

Popularizado no início dos anos 2000 pelo vencedor do Nobel Paul Crutzen, o Antropoceno seria uma nova época geológica, que substituiria o atual Holoceno, iniciado após a última era do gelo, há 11,7 mil anos.

A década de 1950 se firmou nas discussões como o ponto de início do Antropoceno em razão do aumento generalizado da queima de combustíveis fósseis, da realização de testes nucleares feitos a céu aberto, espalhando quantidades de plutônio pelo mundo, além das detonações de bombas de hidrogênio.

A ideia inicial de Crutzen sobre o começo do Antropoceno apontava para a revolução industrial, na Inglaterra, no século 18. Mas, naquela etapa, diz Waters, a revolução acontecia na Europa, e para se espalhar levaria boa parte de um século.

“Quanto mais investigamos, mais perto chegamos da década de 1950. Todos passavam por grandes mudanças na economia e no grau de industrialização. Temos a China decolando entre os anos 1950 e 1960”, explica. “E mesmo a Amazônia estaria ao alcance da contaminação atmosférica por partículas da queima de combustíveis fósseis.”

E por que não em 1949? “Porque há uma gradação”, diz o geólogo. “As evidências apontam para uma mudança drástica no meio do século 20.”

Além de pesquisar o marco temporal, é preciso achar um lugar no planeta —o chamado “golden spike”— que possa ser comparado a outros locais para identificar os sedimentos de poluição deixados pela atividade humana.

A proposta para a definição desse marcador, que deve ser feita em junho, vai escolher um entre 12 locais, que incluem lagos, gelo no Ártico ou corais. Os últimos, segundo o pesquisador, são bons candidatos porque permitem a visualização anual da mudança de partículas.

Após a decisão do grupo, o tema será votado em outras três instâncias. A última, que vai ratificar a decisão, é a União Internacional de Ciências Geológicas.

O desafio atual consiste no fato de que definir uma época geológica sempre foi uma tarefa de olhar para o passado —e continua sendo, já que geólogos analisam sedimentos e fósseis—, mas agora há uma outra escala temporal em questão.

“Uma das boas coisas é que a ciência de hoje permite monitorar esses efeitos quase em tempo real”, diz Waters.

E esses efeitos dizem respeito a como o planeta se calibra após eventos geológicos como um degelo em larga escala. “Erupções vulcânicas massivas, por exemplo, lançam uma quantidade enorme de gases estufa na atmosfera, com alta rápida, num tempo geológico, de temperatura.”

A partir daí, o planeta passa por um período de adaptação, com o equilíbrio de temperatura e do nível de oceanos. “Esses níveis se recuperam, mas a biologia, não. As espécies, nessa mudança dramática, se perdem, enquanto o planeta pode voltar a se parecer com o que era 100 mil anos antes”, destaca.

Para exemplificar os riscos que vivemos hoje, Waters relembra que a mudança desde a última glaciação, que definiu a passagem do Pleistoceno (iniciado há cerca de 1,8 milhão de anos), era gradual até que se tornou intensa a ponto de extinguir espécies e redesenhar o mundo.

No entanto, na visão do geólogo, a humanidade tem hoje capacidades tecnológicas que podem ser usadas para reduzir a emissão de gases que levam às mudanças climáticas.

“O problema é saber como manejar o destino dessa trajetória, porque temos poderes para isso. Sabemos quais são os problemas.

O pesquisador alerta ainda para o custo dessas decisões. “Temos oito bilhões de pessoas que vivem e buscam um certo padrão de vida. Mesmo se fizermos isso com recursos mais sustentáveis, vamos precisar de materiais cuja extração, como a de minérios, terá um efeito verificável no planeta.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Cientistas vão sugerir local de referência para o Antropoceno nesta terça-feira (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

11.jul.2023 às 9h01

3–4 minutes


A ideia de que humanos já teriam causado um impacto suficiente para marcar uma diferença geológica no planeta está mais perto de se concretizar. Nesta terça-feira (11), um grupo de geólogos vai apresentar sua sugestão de ponto de referência para o Antropoceno, o chamado “golden spike”.

Esse ponto será usado para comparar as diferenças entre os sedimentos e, no caso do Antropoceno, concentrações distintas de poluentes produzidos pela atividade humana.

Em relação ao tempo, o marco mais aceito até o momento pelos pesquisadores é o dos anos 1950. O período tem sido sugerido, após mais de uma década de debates, por causa do aumento, em escala mundial, da produção industrial e da elevação do consumo, além de testes nucleares que espalharam partículas plutônio pelo mundo.

Como o plutônio não ocorre naturalmente nessas quantidades, identificar sua presença no fundo de lagos, por exemplo, é visto como um bom referencial para estudos.

Esse marco temporal é proposto para retratar a passagem do Holoceno —até agora tido como a nossa época geológica atual, iniciada período da última glaciação, há 11,7 mil anos— para o Antropoceno.

As muitas localidades possíveis para o “golden spike” foram sendo gradativamente reduzidas, até sobrarem nove, que incluem lagos, gelo no Ártico ou corais. Os últimos, por exemplo, seriam bons candidatos porque seu crescimento é anual, e permitiriam a visualização também anual da mudança de partículas.

Definir uma época parte de evidências científicas, mas há também uma dimensão simbólica nessa decisão. Segundo especialistas, ela pode ajudar a promover reflexão sobre como queremos lidar com um planeta que está sofrendo efeitos de mudanças climáticas e um aquecimento generalizado, por exemplo.

Outro ponto de atenção é como a nossa “pegada” sempre vai se manifestar no planeta. Mudar as matrizes de energia para reduzir o uso de combustíveis fósseis também terá um impacto relevante no planeta.

O processo não termina nesta terça. Após a apresentação da proposta, a sugestão do AWG (sigla em inglês para o Grupo de Trabalho do Antropoceno) precisa ser validada pela Comissão Internacional de Estratigrafia, antes de ser votada na União Internacional de Ciências Geológicas.

Para a nova época ser aprovada, é necessário haver ao menos 60% de aprovação em cada instância.

Ciência Fundamental: O Antropoceno dá um passo à frente (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Ciência Fundamental

11 de julho de 2023


Uma revolução fervilha, em fogo baixo, no mundo da geologia. E um anúncio dessa terça-feira, 11 de julho, acaba de aumentar a intensidade da chama: pesquisadores do Grupo de Trabalho do Antropoceno (AWG, na sigla em inglês) elegeram um ponto de referência geológica para demonstrar o advento da “época dos humanos”, ou Antropoceno.

Na prática, é um avanço na decisão sobre se o Antropoceno deve entrar ou não na escala de tempo geológico que demarca oficialmente eras, períodos, épocas e outros intervalos da idade da Terra como conhecemos.

Ilustração: Clarice Wenzel, Instituto Serrapilheira

De uma lista de 12 sítios geológicos que poderiam comprovar o surgimento da nova época, pesquisadores do AWG escolheram o lago Crawford — situado numa reserva natural ao sul de Ontário, no Canadá — como representante físico da mudança.

Com base em amostras coletadas em 2019 e 2022, um grupo de pesquisadores fez uma importante descoberta: as águas no fundo daquele lago continham oxigênio. Segundo a paleoclimatóloga Francine McCarthy — pesquisadora da Brock University, no Canadá, e coordenadora dos estudos no local —, encontrar oxigênio lá foi importante porque, assim, as camadas de rocha no leito do lago “conseguiram gravar, muito claramente, traços de plutônio liberado na detonação de bombas nucleares no início dos anos 1950” — marco temporal proposto como ponto de partida para o Antropoceno.

Para cravar um marco novo na cronologia geológica, os cientistas devem, antes de mais nada, recolher diversas amostras de rocha — e elas precisam espelhar uma grande mudança que tenha acontecido simultaneamente em escala global. No caso do Antropoceno, a explosão de bombas de hidrogênio poderia ser esse grande evento, já que nenhum continente escapou da radioatividade dessas explosões.

Uma vez eleita a amostra mais significativa, a discussão muda de patamar e é encaminhada para instâncias superiores. Agora a proposta do AWG precisa ser aprovada pela União Internacional de Ciências Geológicas, quando então a nomenclatura se tornará oficial. “A exigência de passar por três níveis de votação obriga a proposta a ser muito sólida. É um processo muito conservador, e há uma razão para tanto: não se pode formalizar uma unidade [estratigráfica] sem o apoio de evidências robustas,” diz o geólogo Colin Waters, coordenador do AWG.

Popularizado em 2000 pelo biólogo Eugene Stoermer e pelo Nobel de Química Paul Crutzen, o termo Antropoceno deriva do grego — combinação de anthropos (humano) e ceno (novo) — e batiza uma nova divisão geológica, na qual as atividades humanas tiveram um impacto decisivo na mudança ambiental. Assim a Terra deixa para trás o Holoceno, iniciado no fim da última glaciação, há cerca de 11.700 anos.

Foi no Holoceno que a humanidade conseguiu seus maiores avanços, da criação de sistemas de agricultura a progressos no âmbito da política e da economia, passando pelo surgimento da escrita e da ciência. “Como o clima no Holoceno se manteve extraordinariamente estável, a Europa, sobretudo no Renascimento, se deu o luxo de criar uma filosofia que não levava a natureza em conta, como se apenas a relação entre humanos fosse decisiva,” diz Renzo Taddei, professor de antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Por isso Taddei, que vem se debruçando sobre o tema há quase duas décadas, considera o Antropoceno uma “virada de chave” dramática, já que confere protagonismo à natureza na esfera do pensamento humano. “O Antropoceno nos mostra que o otimismo renascentista com relação à técnica, ao domínio da natureza e posteriormente ao capitalismo industrial era uma ilusão”, ele acrescenta.

Para o físico e historiador da ciência Jürgen Renn, diretor do Instituto Max Planck para a História da Ciência, em Berlim, um dos grandes desafios que a possível nova época propõe é fazer “uma geologia do presente”: abrir um novo capítulo no livro geológico enquanto testemunhamos a escrita dessa nova página — ou camada estratigráfica. Além disso, pelas perguntas filosóficas e questionamentos que suscita, a nova época “cria uma ponte entre as ciências naturais e as humanidades”.

Taddei observa que, enquanto a geologia decide se oficializa o termo ou não, disciplinas como a filosofia e a própria antropologia adotaram-no imediatamente. O conceito não é perfeito, ele diz, “mas consegue encapsular nossa relação disfuncional com o planeta em múltiplas dimensões”. Não porque tomamos consciência de que a reflexão era necessária, mas porque a natureza a impôs, com seu equilíbrio alterado e eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos.

“O Antropoceno nos pegou desavisados. Vejo essa época como um imenso ‘tapa na cara’ da arrogância ocidental moderna, que efetivamente julgava estar resolvendo todos os problemas históricos,” conclui o antropólogo.

*

Meghie Rodrigues é jornalista de ciência.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.