Renzo Taddei
8 de outubro de 2018
Nessa eleição, a maioria das pessoas está votando com o estômago, e não com o cérebro. Hoje chegou até mim uma convocatória de passeata anti-PT (sem qualquer menção ao Bolsonaro) com os dizeres: “não iremos virar uma Venezuela”. Eu tentei encontrar qualquer semelhança entre o histórico político do Haddad e a Venezuela, e não fui capaz de encontrar nada (apenas as declarações de solidariedade por parte do PT frente a ameaças veladas, e talvez imaginárias, de invasão norteamericana do país vizinho). Redução de velocidade do trânsito, aumento de fiscalização, expansão das ciclofaixas, cotas para negros e pessoas de baixa renda, bolsa família: nada disso vem da Venezuela. Vem dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Alemanha. O que há na Venezuela é a herança de um militar populista com baixo apreço à ordem democrática que foi eleito e depois tomou o poder, instaurou uma ditadura e mandou o país pro buraco. A revista The Economist, bíblia de gente como o Amoedo e dos economistas liberais que certamente estarão na equipe econômica do Bolsonaro (e do Haddad também, dado que o PT tem sido muito mais liberal do que a esquerda real do Brasil aprova), publicou no dia 20 de setembro um artigo intitulado “Jair Bolsonaro, a mais recente ameaça na América Latina – ele seria um presidente desastroso”. Há na Europa hoje dois presidentes que tem exatamente o mesmo perfil do Bolsonaro, o da Hungria e o da Polônia. No dia 12 de setembro, o NY Times publicou um artigo reportando que o Parlamento Europeu considera que a democracia na Hungria está em perigo. O portal Business Insider, outra fonte de notícias para os liberais de direita, publicou no dia 21 de dezembro do ano passado a notícia que o Parlamento Europeu puniu a Polônia por ações que põe a democracia em risco. Tá tudo publicado e bem documentado. A União Européia considera Polônia e Hungria muito mais perigosas à estabilidade do bloco econômico do que a saída da Inglaterra. O perigo em nosso país é que não temos uma instância política superior que coloque tiranos na linha, nem instituições tão robustas que possas suportar uma gestão catastrófica.
Quando digo que os antipetistas “votam com o estômago” quis dizer votar “contra”, com base em raiva e ódio, e não com apoio em ideias ligadas ao que constitui uma boa sociedade e uma boa vida pública, e o que deve ser feito pra materializar isso. O Bolsonaro tem uma quantidade imensa de eleitores tomados por um antipetismo que os impede de ver que ele prega coisas que seriam inaceitáveis em outro contexto. Como bem disse o Ciro Gomes, o Bolsonaro é um monstro criado pelo Lula. Mas não faz muito sentido sacrificar a estabilidade democrática e avanços sociais apenas pra “punir o Lula”. É tão inteligente quanto perder o amigo pra não perder a piada, querer acabar com o câncer matando o paciente. Colocar arma na mão de criança de 5 anos e defender o armamento sem critério da população, defender a tortura, dizer que a polícia só funciona se sair na rua pra matar, dizer a uma mulher que ela não “merece” ser estuprada porque é “feia”, defender abertamente que mulheres são inferiores e portanto não há problema em que tenham salário menor, ser assumidamente racista (contra negros e nordestinos – de resto, como grande parte da população do sul e sudeste), homofóbico, xenófobo – são essas as coisas que o Bolsonaro tem feito e dito repetidamente em público, em frente às câmeras, e é impressionante como o antipetismo faz parecer que isso tudo são detalhes menores, sem importância, frente ao que é a “roubalheira” dos petralhas. É tão difícil assim perceber que se um bairro inteiro estiver armado e pensando em fazer justiça com as próprias mãos, sem submeter os suspeitos a julgamento imparcial, o Brasil vai virar um faroeste e a sensação de segurança coletiva vai ser muitíssimo pior do que é agora? Nossos filhos podem ser mortos por engano por tentar pegar a bola que caiu no vizinho? Eu votaria com alegria no Antonio Carlos Magalhães, no Maluf ou no Delfim Neto pra não ter o Bolsonaro com o poder de presidente da república. Só não votaria no Enéas, porque este tinha ideias tão perigosas e militarizadas quanto as do Bolsonaro.
“Ah, mas a The Economist, o New York Times, a Folha, o Estadão e a Globo são todos de esquerda”. Achar que a The Economist é de esquerda é um delírio, e que o New York Times também o é é dizer que o Clinton, a Hillary e o Obama devem ser parte da grande conspiração pornô-marxista-bolivariana representada pelo PT – o mesmo PT que colocou um ex-presidente do Bank of Boston como ministro da fazenda, vejam só. Pra quem está tonto com as alucinações do antipetismo, gostaria de argumentar que, da esquerda, nessas eleições, compareceu apenas o Boulos. Alguém colocou no Facebook que a diferença entre o Ciro e o Haddad era não mais que o lugar que a Katia Abreu iria ocupar: vice-presidente ou ministra da agricultura. Dá pra ser de esquerda com a Katia Abreu no governo? Isso é ridículo. O Haddad é de centro-esquerda, não tem agenda bolivariana alguma, come da mão dos bancos e das grandes empresas como todos os demais (o ministro da fazendo do Bolsonaro é sócio do banco Pactual). O Bolsonaro, no entanto, tem um discurso anti-institucional perigosíssimo: seu discurso a favor das armas deslegitima o judiciário. Nossa sociedade vai melhorar se houver uma reforma no judiciário para que ele funcione melhor, e não fazendo com que ele seja substituído pela justiça de faroeste do olho-por-olho. O Bolsonaro tem um discurso misógino que inferioriza as mulheres – eu não quero que minha filha cresça em um país em que ela não esteja protegida pelo estado. Se tivermos um machista violento encabeçando o estado, o que se pode esperar?
Enfim, o que entristece a boa esquerda brasileira é a total ausência de uma direita minimamente sofisticada e capaz de um debate mais profundo. Quando se vota com o sistema digestivo, sabemos o que sai no final.