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O que significa o capitalismo regenerativo? Entenda o conceito que pretende revolucionar os métodos de produção da economia (Um Só Planeta)

umsoplaneta.globo.com

Por Marco Britto, para Um Só Planeta

18/08/2023 08h00


Para você, o que é lucro? Vender um produto e ganhar mais do que gastou para produzi-lo? Ok. Mas, pensando no método de produção, se foi usado água na fabricação do produto, como valorar este lucro? Uma centena de reais pode valer mais que cem baldes de água, por exemplo?

“Calibrar” a forma de olhar para o raciocínio da economia capitalista, garantindo a renovação dos recursos naturais sem abrir mão do lucro, é o que propõe o capitalismo regenerativo. O conceito vem sendo difundido nesta década a partir de pensadores como John Elkington, autor de “Cisnes Verdes: a explosão do capitalismo regenerativo” (2020, tradução livre), e considerado idealizador do termo “sustentabilidade” no mundo dos negócios, hoje um dos pilares do ESG.

Na visão regenerativa, lucro é regenerar o planeta, além de ganhar dinheiro. Afinal, os recursos naturais são a maior garantia de futuro para os negócios e para a humanidade frente aos desafios das mudanças climáticas. Sendo assim, as premissas básicas de um empreendimento regenerativo devem ser garantir que, ao final do ciclo de produção, os recursos usados tenham sido renovados, reinvestindo em florestas e preservação dos mares, por exemplo.

De forma resumida, a empresa devolve à natureza os recursos que usou, de preferência “com juros”, seja replantando ou recuperando ecossistemas prejudicados.

Outro ponto importante do capitalismo regenerativo é a relação com os colaboradores da cadeia produtiva, o que gerou o apelido “economia do stakeholder”. Além de preservar os recursos naturais, manter relações comerciais justas e sustentáveis com produtores e as áreas pelas quais são responsáveis por cultivar e manter é um elo indispensável para uma economia centrada na relação com a terra.

Da sustentabilidade ao capitalismo regenerativo, uma evolução conceitual

O ideal de capitalismo regenerativo é a expressão atual do que já foram rascunhos do mundo corporativo sobre uma atitude responsável em relação ao meio ambiente. Desde a popularização do termo sustentabilidade, na primeira década do século, passando pelo conceito de capitalismo consciente, popularizado por autores como Raj Sisodia e seu livro, “Capitalismo Consciente” (2014), escrito em parceria com John Mackey, fundador e atual CEO do grupo Whole Foods Market, varejista de comida orgânica avaliada em R$ 61,4 bilhões, a ideia de uma economia que não destrua foi se transformando na proposta de um sistema que possa regenerar o planeta.

A evolução dos conceitos ao longo do tempo sugere o amadurecimento da visão de negócio frente aos desafios do século 21, passando da ideia de manter as engrenagens funcionando, com baixo impacto ambiental, à ideia de saldo ambiental positivo, quando uma empresa consegue produzir e entregar à natureza mais do que precisou retirar. Elkington afirma que o conceito de sustentabilidade já continha essa ideia de regeneração, mas que acabou diluída no que veio a se tornar o conceito de ESG. Falar em regeneração é algo que vai direto ao ponto, afirmou o autor durante palestra no Brasil em 2021.

A economia regenerativa encontra outro conceito atual, o da economia circular. “Na medida em que as empresas tomam consciência da necessidade de atingir metas climáticas e a descarbonização, temas como o da regeneração se tornam mais relevantes, pois é um caminho para capturar carbono, e por esse motivo esses sistemas estão ganhando espaço e importância”, avalia Milena Lumini, gerente de comunicação para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, que se dedica a difundir e fomentar as práticas circulares de produção.

Regeneração na prática

No dia a dia, colocar um modelo de negócio regenerativo em prática ainda é um processo em construção para muitas empresas, mas os números podem ser animadores. No Brasil, o grupo Regenera Ventures, dono das marcas Viva Regenera e do e-commerce Viva Floresta, entre outras frentes, colhe bons frutos apostando em produtos de alimentação, suplementação e autocuidado provenientes de fornecedores que adotam a prática agroflorestal em seus cultivos, comprometidos com o manejo sem agrotóxicos e a missão de regenerar as áreas utilizadas na produção.

“Não é um objetivo, é a razão de existirmos”, afirma Romanna Remor, fundadora e head de conceito, inovação e produtos do grupo. Em três anos, a empresa passou de uma marca a uma holding com três linhas de produtos saudáveis e um e-commerce, que vende os itens, além de comercializar marcas parceiras. Em seu primeiro ano de operação, finalizado em junho, o marketplace Viva Floresta faturou R$ 2 milhões e plantou 300 árvores a partir de um modelo que inclui reverter parte das vendas ao plantio em sistemas agroflorestais.

Neste segundo ano em atividade, a previsão é dobrar o faturamento e plantar 10 mil árvores. “Nós entendemos que temos o lucro do mercado e o lucro do sistema regenerativo, que cria valor, margens saudáveis para continuar a operação, o maior apoiar o menor, o maior abrindo mão de margens maiores para que o menor possa ter potência. Mas não somos uma ONG, somos uma empresa que precisa estar saudável, então é um exercício constante para lucratividade saudável”, comenta Romanna.

Na leitura da Fundação Ellen MacArthur, lucro e regeneração combinam. “A fundação acompanha casos, principalmente da agricultura regenerativa, em que a produção e o lucro cresceram, seja por produtividade ou novas frentes que surgem no negócio. A evidência aponta que é um modelo mais lucrativo, e que encontra uma necessidade de mercado. Os casos mostram melhora de qualidade, quantidade, lucro e propósito.”, afirma Milena.

Reeducação de corporações e consumidores

Como exemplo de práticas regenerativas, empresas como a Viva Regenera e gigantes como a Nestlé investem na capacitação de pequenos produtores para que estes possam adotar e manter métodos naturais de cultivo, regenerando áreas antes dedicadas à monocultura, por exemplo. Na Amazônia e em outros biomas ameaçados, manter produtores desta forma é uma maneira de se evitar o extrativismo predatório, uma vez que os agricultores têm seu sustento garantido por práticas agrícolas que estimulam o meio ambiente a prosperar, formando um sistema de “ganha-ganha”, com lucro financeiro e ambiental.

“A nossa economia tem se baseado na degradação, e temos a oportunidade de redesenhar modelos de negócios e formas de produzir alimentos e produtos para regenerar. A atividade econômica pode trazer efeitos positivos para o meio ambiente, o que vai ajudar a termos uma economia que prospere a longo prazo, que seja boa para as pessoas e empresas”, afirma Milena.

Entre as articulações da Fundação Ellen MacArthur para o desenvolvimento da economia circular está o Desafio do Grande Redesenho dos Alimentos, em que empresas que produzem alimentos e bebidas vão repensar o design circular de alimentos, para ajudar a natureza a prosperar. A iniciativa atraiu a atenção de grandes players do Brasil no setor, como Ambev, Danone e Unilever.

“Ingredientes diversos significam menos trigo, arroz, batata e milho, [grandes monoculturas brasileiras] e criar uma demanda que vai apoiar a produção no campo. Ingredientes de menor impacto pressionam menos a natureza durante a produção, em cultivos mais adequados para a região onde estão inseridos. Os ingredientes reciclados seguem a lógica de não desperdiçar alimentos e produzir menos. Se dependemos menos de plantar e colher, vamos influenciar menos essa terra. Todos esses aspectos ajudam na regeneração”, aponta a gerente de comunicação da fundação.

O movimento certamente está sob responsabilidade das empresas, mas o consumidor tem um papel central para alavancar uma indústria de regeneração, avalia Romanna, do grupo Regenera. “Acreditamos no trabalho de educação e conscientização dos padrões de consumo. Se eu posso comprar um chocolate que apoia produtores de agrofloresta do sul da Bahia, e meu pedido no site gera um crédito agroflorestal, que será revertido em plantio de árvores em sistemas florestais, isso é educar o consumidor sobre impacto. Nós acreditamos e sabemos que a mensagem precisa despertar interesse nas pessoas, mantendo a essência e a verdade, mas adaptando a faixas etárias, partes diversas do país.”

Entenda como funciona o processo de compensação de carbono (Folha de S.Paulo)

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Créditos devem saltar 50 vezes no Brasil até 2030; desmatamentos respondem por até 80% dos gases do efeito estufa

Naief Haddad

25 de outubro de 2022


“Carbono vira ‘moeda de troca’ entre países” era o título de reportagem da Folha de 10 de novembro de 1998. O texto dizia que cientistas de Brasil, China e Índia discutiam a criação de créditos financeiros para projetos contra o aquecimento global. Àquela altura, o mercado de carbono surgia como iniciativa promissora, que reforçaria a agenda de preservação ambiental impulsionada pelo Protocolo de Kyoto, de 1997.

Era uma ideia valiosa com potencial de expansão: o carbono, um modo simplificado de se referir à emissão de gases que causam o aquecimento global, vai ao mercado como um certificado, que pode ser vendido para países e, como se decidiu posteriormente, para empresas e pessoas físicas. Cada certificado —o chamado crédito de carbono— garante que 1 tonelada de dióxido de carbono foi impedida de ser lançada na atmosfera.

Esses créditos talvez tivessem se espalhado pelo planeta não fosse o desastre financeiro global de 2008. “Os países da Europa, os grandes compradores de créditos de carbono naquele momento, foram afetados. Esse mercado teve que se reestruturar”, conta Plínio Ribeiro, CEO da Biofílica Ambipar, uma das principais companhias brasileiras que desenvolvem projetos florestais para a geração de créditos de carbono.

Há pouco mais de cinco anos, esse caminho voltou a demonstrar seu potencial vigoroso —no caso do Brasil, muito mais pelas ações da iniciativa privada do que por medidas do governo federal.

A 21ª conferência sobre mudança do clima (COP21), em 2015, em Paris, representou um marco na virada. “Ela reconheceu a conservação florestal como um dos principais mecanismos de combate às mudanças climáticas. Das emissões mundiais, 15% são de desmatamento em florestas tropicais. No Brasil, isso representa mais de 80% das emissões”, explica Ribeiro.

A partir daí, iniciativas brasileiras que patinavam começaram a crescer. Foram emitidos 5,2 milhões de créditos de carbono em 2019, de acordo com as certificadoras Verified Carbon Standard e Gold Standard. Em 2020, esse número subiu para 13,5 milhões; no ano passado, chegou a 44,4 milhões.

Nesse período, empresas voltadas ao desenvolvimento de projetos ambientais alcançaram um novo patamar. No ano passado, a Biofílica foi comprada pela Ambipar, o que permitiu que ampliasse seus negócios. Ao receber aporte de R$ 200 milhões da Shell, a Carbonext também se fortaleceu.

David Canassa, da Reservas Votorantim, lembra caso recente para mostrar a ascensão do setor. “Acabo de voltar do Climate Week, em Nova York. Há quatro anos, o Pacto Global Brasil, que integra a programação, encheu uma sala com 30 brasileiros. Desta vez, eram 250.”

O dado mais incisivo sobre o potencial de crescimento desse mercado no Brasil vem de relatório lançado há cerca de um mês pela consultoria McKinsey & Company. “O mercado de créditos no país deve saltar de US$ 1 bilhão atual para US$ 50 bilhões em 2030”, afirma.

O crescimento é bem-vindo, mas ainda parece insuficiente, avalia Janaína Dallan, CEO da Carbonext. “A urgência climática é tão grande que precisaríamos de muito mais empresas nesse mercado para não atingir o aumento de 1,5ºC”, diz. Ela se refere ao principal objetivo acordado na cúpula de Glasgow (COP26), na Escócia, em 2021.

O evento reforçou como meta evitar que o aquecimento global ultrapasse um aumento de 1,5°C em relação ao século 19, o que implicaria cortes substanciais nas emissões de CO2. A quase totalidade das iniciativas se concentra na Amazônia, mas, aos poucos, novos projetos se consolidam em outras regiões. No início de outubro, a Biofílica Ambipar conquistou o prêmio Environmental Finance pelo projeto AR Corredores de Vida, no oeste paulista. A iniciativa é feita em parceria com o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas).

Com a experiência na administração do Legado das Águas, maior reserva privada de mata atlântica do Brasil, a Reserva Votorantim acaba de lançar uma metodologia que permite o pagamento de serviços ambientais nesse bioma.

Mas vale lembrar: só a ampliação do mercado de créditos de carbono não será suficiente para evitar que se alcance o temido 1,5ºC, segundo Ricardo Piquet, diretor do Museu do Amanhã, que se tornou referência na área ambiental. “Gerar créditos a serem pagos por empresas ou países poluidores não resolve o problema. A solução conjugada é a ideal: você reduz emissão de gases e, no caso daquilo que não consegue gerar de imediato, compensa com o crédito de carbono”, diz Piquet.

O objetivo essencial é que, ao cotejar emissão e captura de carbono, sob métodos auditados, a empresa chegue à soma zero ou acumule créditos. A Klabin coleciona prêmios nesse setor sem que comercialize crédito de carbono, o que é possível graças, entre outros motivos, ao fato de manter áreas de floresta nativa.

Com 23 unidades no Brasil, a produtora de papéis captura cerca de 11 milhões de toneladas de carbono/ano. Suas operações emitem por volta de 6,5 toneladas, segundo Francisco Razzolini, diretor de sustentabilidade. No cardápio de medidas tomadas pela Klabin, está a substituição do óleo combustível por materiais renováveis de biomassa.

MERCADO DE CARBONO EM 10 PONTOS

1 – O QUE É CARBONO?

Neste contexto, não se trata, é claro, de um produto físico. Carbono é um modo bem simplificado de chamar a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Como o mais comum deles é o CO2 (gás carbônico), o termo carbono passou a ser um sinônimo desses gases nas discussões climáticas.

2 – COMO FUNCIONA ESTE MERCADO?

De modo geral, como a maioria dos outros: quem tem sobrando vende para quem precisa, de preferência a um preço que satisfaça aos dois lados.

3 – COMO O CARBONO É QUANTIFICADO PARA QUE SEJA NEGOCIADO?

Cada tonelada de gás carbônico corresponde a um crédito de carbono, que pode ser comprado ou vendido. Um exemplo: uma empresa precisava reduzir sua emissão em 1.000 toneladas de CO2, mas consegue cortar 1.500 toneladas. Assim, ela fica com 500 créditos de carbono, que pode vender a uma outra companhia que não conseguiu bater sua meta.

4 – OS CRÉDITOS VALEM SÓ PARA EMISSÕES CORTADAS?

Não, valem também para o gás carbônico capturado —por exemplo, por novas árvores plantadas, que absorvem a substância da atmosfera para crescer. Cada tonelada de CO2 adicional absorvida por uma nova mata dá direito a um crédito.

5 – O QUE A COP26 (NOV.2021 EM GLASGLOW) DECIDIU SOBRE O MERCADO DE CARBONO?

O encontro aprovou a taxa de 5% sobre a transação de créditos de carbono comercializados entre projetos do setor privado ou de ONGs. Mas as transações entre os países ficaram livres de taxa e, portanto, sem contribuição para os fundos de adaptação. Pelo mercado de carbono regulamentado na COP26, países podem comprar “autorizações” de emissão de carbono para ajudar a cumprir suas metas climáticas, remunerando aqueles países cujas ações, em compensação, reduzem emissões.

6 – E O BRASIL? COMO ESTÁ?

O país, infelizmente, ainda não tem um mercado de carbono regulado, ao contrário do que acontece em países da Europa, na China, na Nova Zelândia e no Cazaquistão. Em maio deste ano, o governo federal publicou um decreto com as bases para a criação de um mercado, mas ainda existem muitas lacunas sobre sua execução, que impedem que o país entre plenamente no circuito global. Assim, as transações têm se restringido a projetos internos do setor privado.

7 – COMO ESSE MERCADO FUNCIONA PARA AS EMPRESAS?

Com o apoio de especialistas, responsáveis por calcular a emissão de CO2, as companhias chegam à conclusão de qual é a meta a ser alcançada. Caso polua acima dessa cota, a empresa precisará comprar mais créditos de carbono, que são vendidos por organizações que desenvolvem projetos de sustentabilidade, como a Biofílica Ambipar, e/ou pelas organizações que conseguiram cortar suas emissões.

8 – EU, PESSOA FÍSICA, POSSO ENTRAR NESTE MERCADO?

Sim. Empresas como a Carbonext, uma das principais desenvolvedoras de projetos de geração de créditos de carbono no Brasil, oferecem iniciativas para pessoas físicas.

9 – O QUE É ‘GREENWASHING’?

A expressão, que em inglês significa “lavagem verde”, costuma ser usada no sentido de propaganda sustentável enganosa, o que vale tanto para empresas quanto para governos e até mesmo para eventos climáticos. Em outras palavras, o “greenwashing” se dá quando uma organização tenta mostrar que faz mais em prol do meio ambiente do que realmente faz.

10 – COMO EVITAR O ‘GREENWASHING’?

Transparência é fundamental para não embarcar no “greenwashing”. Empresas devem dar visibilidade não só aos compromissos estabelecidos, mas às estratégias e evidências de resultados. Estimular o envolvimento de profissionais de ESG nas discussões das áreas de marketing e comunicação corporativa também pode ajudar a evitar distorções.