‘Homicídio culposo’: Petrolíferas são réus em ação inédita movida em nome de mulher que morreu durante onda de calor nos EUA (Um Só Planeta/Globo)

Onda de calor matou mulher nos EUA em 2021, e filha, agora, entrou com processo por homicídio culposo contra seis empresas de petróleo, gás e carvão

Artigo original

Por Redação do Um Só Planeta

03/06/2025

Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças mostram que o calor extremo é o fenômeno climático mais mortal dos EUA.
Dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças mostram que o calor extremo é o fenômeno climático mais mortal dos EUA. — Foto: NASA

No dia 28 de junho de 2021, a americana Julie Leon, de 65 anos, foi encontrada inconsciente em seu carro, no caminho para casa. Paramédicos tentaram reanimá-la, mas sem sucesso. Mais tarde, o legista determinou que a causa da morte foi hipertermia, condição na qual a temperatura corporal aumenta de forma excessiva e perigosa, geralmente acima de 40°C.

Agora, passados quase quatro anos, a filha da vítima, Misti, entrou com um processo inédito em Washington contra ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, ConocoPhillips e Phillips 66.

A ação por homicídio culposo é a primeira movida em nome de uma vítima individual das mudanças climáticas nos Estados Unidos, e busca responsabilizar essas empresas pelo papel que desempenharam na causa da morte.

Na época em que Leon faleceu, áreas do noroeste do Pacífico dos Estados Unidos e Canadá experimentaram temperaturas nunca antes observadas, com recordes quebrados em muitos lugares em vários graus Celsius. Em Seatle, onde ela vivia, no dia da sua morte, a temperatura subiu acima de 38°C pelo terceiro dia consecutivo.

Cientistas da World Weather Attribution (WWA) avaliaram, com base em observações e modelagem, que a onda de calor do Pacífico Noroeste de 2021, como foi chamado o fenômeno, seria virtualmente impossível sem as mudanças climáticas causadas pelo homem.

A WWA é uma iniciativa científica internacional que busca avaliar a influência das mudanças climáticas, causadas por atividades humanas, principalmente queima de combustíveis fósseis, em eventos extremos de clima, como ondas de calor, secas, inundações e tempestades.

“As grandes petrolíferas sabem há décadas que seus produtos causariam desastres climáticos catastróficos que se tornariam mais mortais e destrutivos se não mudassem seu modelo de negócios. Mas, em vez de alertar o público e tomar medidas para salvar vidas, mentiram e deliberadamente aceleraram o problema. Agora, pessoas estão morrendo, e esses arquitetos da negação e da mentira climática terão que responder por sua conduta em um tribunal”, disse Richard Wiles, presidente do grupo de defesa Centro para Integridade Climática (CCI), em comunicado.

Ele acrescentou que as vítimas das grandes petrolíferas merecem responsabilização: “Esta é uma indústria que está causando e acelerando condições climáticas que matam pessoas. Elas sabem disso há 50 anos e, em algum momento, precisarão ser responsabilizadas”

Misti quer que as empresas de petróleo, gás e carvão paguem indenizações em valores que serão determinados em julgamento, e, também, está tentando forçar essas companhias a realizar uma campanha de educação pública para corrigir “décadas de desinformação”.

Theodore Boutrous, advogado da Chevron, criticou a ação. “Explorar uma tragédia pessoal para promover litígios políticos sobre danos climáticos é contrário à lei, à ciência e ao bom senso”, afirmou à NPR. “O tribunal deveria adicionar essa alegação absurda à crescente lista de processos climáticos sem mérito que tribunais estaduais e federais já rejeitaram.”

Representantes da Shell, ConocoPhillips, BP e Phillips 66 não quiseram comentar. E um porta-voz da ExxonMobil disse que um comentário da empresa não estava disponível no momento.

Processos por todo os EUA

Petrolíferas enfrentam vários outros processos climáticos movidos por estados e municípios americanos por supostamente enganarem o público durante décadas sobre os perigos da queima de petróleo, gás e carvão, a principal causa das mudanças climáticas.

Segundo o CCI, 10 estados (Califórnia, Connecticut, Delaware, Havaí, Maine, Massachusetts, Minnesota, Nova Jersey, Rhode Island e Vermont), o Distrito de Columbia e dezenas de governos municipais, distritais e tribais de Califórnia, Colorado, Havaí, Illinois, Maryland, Nova Jersey, Nova York, Oregon, Pensilvânia, Carolina do Sul, Washington e Porto Rico, entraram com ações judiciais contra elas.

Esses casos, em conjunto, representam mais de 1 em cada 4 pessoas que vivem nos Estados Unidos. E, conforme destaca o NPR, buscam recursos para ajudar comunidades a lidar com os riscos e danos do aquecimento global, incluindo tempestades, inundações e ondas de calor mais extremas.

Até agora, os resultados foram mistos. Por exemplo, na Pensilvânia, um juiz rejeitou recentemente uma ação climática movida pelo Condado de Bucks contra diversas petrolíferas. Segundo ele, como se tratava principalmente de emissões de gases de efeito estufa, essa era uma questão que caberia ao governo federal, de acordo com a Lei do Ar Limpo.

Por outro lado, em janeiro, a Suprema Corte rejeitou uma tentativa de empresas de petróleo e gás de bloquear uma ação climática movida por Honolulu, e em março os juízes rejeitaram um pedido de procuradores-gerais republicanos para tentar impedir ações climáticas movidas por estados como Califórnia, Connecticut, Minnesota e Rhode Island.

Em declaração enviada à agência NPR na época, o Instituto Americano de Petróleo (ANP) disse que estava decepcionado com as decisões da Suprema Corte, pois as ações são uma “distração” e um “desperdício de recursos do contribuinte”.

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