Tim Ingold: Projetando ambientes para a vida – um esboço (Blog Noquetange)

Projetando ambientes para a vida – um esboço*
Por Maycon Lopes
10/10/2011

Imbuído de pensar uma antropologia do vir-a-ser, uma antropologia do devir, quer dizer, aquela que não seja sobre as coisas, mas que se mova com elas, Ingold esboçou, no que os organizadores chamaram desde o início da série de conferências na UFMG de sua “grande conferência”, críticas e proposições para trilharmos o futuro. Trilhar não se trata de percorrer um caminho pré-definido; é deixar pegadas no seu percorrer, marcar com trilho, traçar. O traçado é como um desenho, um projeto, e o ato de fazê-lo já nos desloca da condição de “meros usuários” do design. Para Ingold, os designs têm de falhar, para que o futuro possa deles se apropriar, destruí-los. Eles poderiam ser pensados como previsões – e toda previsão é errada. Ou, seguindo a linha de análise deleuziana, o design poderia ser compreendido como uma tentativa de controlar o devir.

Tim Ingold propõe que ele (o design) seja concebido, no âmbito de um processo vital cuja essência é de abertura e improvisação, como um aspecto, menos como meta pré-determinada que como a continuidade de um andamento. Neste sentido, o design seria produção de futuros e não definição de. Essa ideia contudo contrasta – e esse é o ponto, creio eu, de Ingold e desse post – com a forma como tem sido predominantemente compreendida a natureza no discurso tecnocientífico: com objetivos precisos, o ambiente seria nada mais que um meio, uma coisa manipulável, vida sequestrada tendo em vista a atingir determinados fins. A natureza dos cientistas e dos criadores de política é conhecida através de cálculos, gráficos, imagens independentes daquelas do mundo que conhecemos (ou mundo fenomenal) e com o qual estamos familiarizados pelo próprio habitar. Essa dissociação artificial, que para nós aparece na figura do “globo”, espaço a que não sentimos pertencer, em contraposição com a terra, que de fato habitamos, é um modo nada adequado de abordar as constantes ameaças sofridas pela natureza. A mesma dissociação provoca uma lacuna entre o mundo diário e o mundo projetado pelos instrumentos de conhecimento a que me referi anteriormente, opondo conhecimento do habitante a conhecimento científico, como se os cientistas não habitassem mundo.

Uma expressão muito em voga como “desenvolvimento sustentável”, em geral usada tanto por políticos como por grandes corporações com intuito de proteger o lucro, é amparada por registros contábeis, ou pela perspectiva, segundo Tim Ingold do ex-habitante. Nós outros, habitantes, não temos acesso a essa linguagem contábil, e somos assim furtados da responsabilidade de cuidar do meio ambiente, sendo dele (verticalmente) expelidos, em vez de fazer do mesmo um projeto comum, pela via do que Ingold denominou de “projetar ambientes para a vida”. Repousaria pois na unidade da vida esse elo ontológico, unidade esta que nem o catálogo taxonômico “biodiversidade” e nem a concepção kantiana de superfície – palco das nossas habilidades – dão conta. Tim Ingold se esforça, em nome de uma vida social sempre indivisível da vida ecológica (se é que é possível já assim polarizá-las – ressalta Ingold), por uma genealogia da unidade da vida, uma partilha histórica entre sociedade e natureza, sendo a última em geral concebida como facticidade, coisa bruta do mundo.

Para Ingold os conceitos são inerentemente políticos, e deste modo é interessante para alguns distinguir humanos de inumanos, que, embora estejam num único mundo, apenas os primeiros, pelo viés da “ação humana”, são passíveis de construir. Seriam assim os humanos “menos naturais”, todavia envolvidos mutuamente ao longo do mundo orgânico. Que pensar a respeito do vento, do sol, das árvores e suas raízes (onde residiria o seu caminhar)? Ele propõe, a fim de evitar – e agravar – essa infeliz dicotomia, a concepção de ambiente como uma zona de envolvimento mútuo, cujo relacionamento entre os seres se dá justamente por feixes de linhas, como luz, como ar, e caminhos. Contra as tentativas coercitivas de suprimir o ambiente cobrindo-o de superfícies duras/impermeáveis, Ingold oferece o rolar sobre o mundo e não através do. Segundo ele, o rolar sobre significa o nosso envolvimento com o ambiente, a nossa própria experiência, que difere do global da tecnociência. Aqui se situa o design, mas não o design que inova, e sim o design que improvisa. A inovação seria oriunda de uma leitura de “trás pra frente”, já a improvisação uma leitura do ler para a frente, por onde o mundo se desdobra. Toda improvisação para o antropólogo consiste em criatividade, e criatividade implica já crescimento. O design não prevê, o design antecipa.

Assim a sua ideia é a de caminhar com o mundo, “crescer junto”, mas não num mundo pré-ordenado e sim um mundo incipiente. O design não é uma pré-figura, mas um traço, um desenho, uma linha para uma caminhada, no entanto sempre passível de fuga do enredo como personagens de um romance – com vida própria. Ingold então defende o projetar como um verbo intransitivo, responsável – ao contrário do que pensava o pintor Paul Klee, do julgamento da forma como morte – por atribuir vida. Para a proposta de Timothy Ingold, finalmente, seria necessário o aumento da flexibilidade dos habitantes de mundo, em que tensão seria convertida em conversa, em diálogo, em projeto.

http://noquetange.wordpress.com/2011/10/10/timingold/